sábado, 24 de dezembro de 2016

Com afeto e carinho




                                                                                                                                              Por Iara Bispo



Maurina Lourença de Souza Santos cumpriu na vida uma missão: cuidar de seu pai, José Antônio de Souza, um homem que teve muitos filhos. Com emoção e ternura no olhar, ela conta que o seu pai teve um segundo casamento com uma “senhorinha” no interior do Salitre, município de Campo Formoso – BA, com quem teve seis filhos. A segunda esposa faleceu de infarto e os filhos procuraram a primeira família de seu pai. Ao buscar as origens de Seu Antônio, eles encontraram em Maurina, o porto seguro para “devolver” o pai.

Casada, mãe de Maricarla, Lara e Lilian, Maurina se desdobra de carinhos e cuidados com a caçula Lilian, que sofre de depressão e toma remédios controlados. Com essa vida cheia de percalços e lutas, ela encontra em seu marido, “Toinho”, um aliado. Pontualmente, às 16 horas chama sua filha Lilian para tomar a medicação. Nesta vida, mesmo com auxilio da família, não foi fácil cuidar de seu pai.

Com alegria, Maurina deixa transparecer seu afeto, quando decidiu, mesmo com todas as obrigações familiares, cuidar do pai, mesmo ele não sendo uma pessoa presente na sua infância. “Eu queria terminar de cuidar de meu pai até o fim, pois ele já sofria com os traços fortes da idade e também do Alzheimer”, resigna-se. 


Por quatro meses, mesmo se desdobrando com os afazeres de sua casa, Maurina zelou por ele.  “Ele chegou aqui e teve que (re) aprender a andar, sentar... Só comia quando lhe davam à boca e já não falava mais”, relembra Maurina, que se emociona com a lembrança.

Foi um período difícil, mas ela resolveu seguir. Após esse período, ‘Seu’ Antônio se tornou agressivo e violento. “Ele brigava, falava mal de todos, azunhava... só não mordia, pois não tinha dentes. Chegou um tempo que quase não aguentava mais, o colocava para dormir, dava banho, ele rasgava a fralda e a rotina já me tirava às forças”.

Com todos esses acontecimentos tristes, pois não estava conseguindo ajudar seu pai, Maurina percebeu que ele precisava de cuidados especiais.  Com dor no coração, como relata, ela decidiu tomar uma atitude já que nenhum dos seus irmãos podia ajudá-la. “Vi-me sozinha, sem saída. Os outros filhos não queriam cuidar e eu e meu esposo cuidamos nesse período e não tínhamos alternativa”, conta, chorando.

Em janeiro de 2007, por intermédio de um amigo, Maurina procurou o abrigo dos idosos da cidade, o Lar São Vicente de Paula.  Conhecendo o trabalho sério da entidade, encaminhou o seu pai, mesmo com sua insistente recusa. “Foi doloroso, triste, mas era a única opção viável. Quando amamos, queremos bem, precisamos tomar atitudes mais incisivas. Como mãe, sei que, às vezes, são necessárias, por amor, atitudes mais drásticas”, confessa Maurina, que, ao lembrar desse dia,  não resiste as lágrimas.

Com o álbum da família na mão, mostra com muita emoção fotos dos 11 irmãos. Maurina conta que, no abrigo, seu pai teve o tratamento necessário e os cuidados pertinentes para a sua condição. “Sempre estive perto, ia visitá-lo, acompanhava nas consultas médicas... Tentava deixar a nossa vida mais próxima possível”.


Nesse tempo que passou na casa de repouso, ‘Seu’ Antônio era conhecido como “vovô”. Segundo Maurina, ele brincava e conversava com todos, mesmo com os males causados pela doença.  José Antônio viveu cinco anos no lar São Vicente de Paula. Em outubro de 2011, foi internado gravemente e, sete dias após, faleceu não por Alzheimer, mas com diagnóstico de derrame cerebral.

Atordoada e triste, Maurina teve que recompor as forças e dar seguimento aos trâmites. Atendendo a um pedido dele, feito em vida, foi enterrado no lugarejo, Paquim, distrito do Saliltre, onde seus entes queridos também descansam.

Até hoje, Maurina se entristece ao relatar a história e lembrar-se da decisão que julga a mais acertada. “Se fosse egoísta e quisesse meu pai aqui, em casa, ele não teria vivido por muito tempo. Foi difícil, mas sei que agir certo. Não ‘joguei’ ele lá. Pelo contrário, fiz o melhor para sua saúde e conforto”.

Além das lembranças ainda fortes de sua história, Maurina não deixa de cuidar das coisas de seu pai. Até hoje, ela assiste de forma muito próxima sua prima, Maria José, mãe de dois filhos. Maria morava e era sustentada pelo seu pai. “Cuidar de meu pai foi muito importante para minha vida e essa história me faz lembrar tudo que passamos. Vejo em Maria José e seus filhos a continuidade da minha obrigação. Não me arrependo de nada. Amo meu pai e falar nele dói meu coração, em especial em datas natalinas que celebram a vida”.

0 comentários:

Postar um comentário