Outro ato de descriminação aconteceu no Restaurante Universitário da UEFS. Os estudantes indígenas, Marijane dos Santos, Letícia Monteiro, Micaely Martins e Edivan Queiroz foram abordados por colegas da universidade. O jovem começou com o discurso preconceituoso, dizendo que na residência indígena só tem negros. Muitos esquecem dos processos de miscigenação que os povos indígenas do Nordeste sofreram com seus primeiros com os invasores.
sábado, 27 de maio de 2017
Por: Gabriel Marinheiro de Lima
Aprender
a usar a caneta e o papel é o novo campo de luta que os indígenas conquistaram para garantir os seus direitos, ao ter acesso ao ensino básico e superior. Segundo dados do INEP de 2014, 22.030
estudantes do ensino superior no país se autodeclaram indígenas, dos quais
8.043 estavam matriculados em instituições públicas e 13.987 em instituições privadas. É
um número que está aumentando, porém a educação indígena só foi assegurada no
Art. 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 , mesmo já existindo estudos da Organização
Internacional do Trabalho, criada nos Estados Unidos, que defendiam o acesso ao
ensino desde a década de 1920.
O
acesso de indígenas nas universidades ocorre por
meio de vestibulares regulares e por ações afirmativas, como o sistema
de cotas que as universidades aderiram através da lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, quando foi
aprovada e sancionada pela ex-presidente da República, Dilma Rousseff. Mas, a Universidade
do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Universidade do Estado da Bahia - UNEB e a
Universidade de Brasília - UnB, já tinham o sistema antes da lei ser sancionada
em 2012.
Contudo,
para manter seus estudos fora de sua aldeia de origem, os estudantes indígenas
passam por muitas situações difíceis, desde a permanência do aluno na
universidade à assistência estudantil para se manter financeiramente e suprir
seus gastos. A depender da localidade o custo pode ser bem alto, como relata Cecília
Pataxó, estudante indígena da UFBA. Há famílias que não têm condições de manter
seus filhos na universidade por não ter uma boa condição
financeira. Então, cabe a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) garantir a
permanência do indígena na universidade, porém nem sempre a instituição cumpre
com a sua obrigação.
Também
não é fácil deixar a aldeia e morar na cidade, pois, muitas vezes, isso
impossibilita praticar rituais e costumes do seu povo. “Muitas universidades e
colegiados não têm clareza nem sensibilidade para entender os costumes, pois a
espiritualidade está relacionada a nossa saúde e ancestralidade, por isso
precisamos estar sempre em contato com o nosso povo e, para isso, precisamos ir
a nossas aldeias exercer a prática”, ressalta Cecília Pataxó.
Estudante indígena Cecília Pataxó
Os
estudantes indígenas sofrem bastante com preconceito por não apresentarem o estereótipo
do índio arcaico. Os livros escolares caracterizam como alguém de
cabelo liso, pele morena, que mora em oca e anda nu na mata. “Já me perguntaram
se o nosso povo come gente”, relata o estudante do ensino fundamental Thiago Felipe Gomes.
Segundo
a professora Ana Maria Marinheiro, situações como essa ocorrem porque o Brasil
passou por um processo de miscigenação, principalmente no nordeste do país com
a chegada dos invasores e dos negros africanos. “Por isso que hoje nós, povos
indígenas do nordeste e ribeirinhos, sofremos preconceitos, porque hoje o nosso
povo não é mais esse índio de pele morena e cabelo liso”, afirma a professora
indígena.
Para
Ana Maria, as escolas brasileiras devem atualizar o ensino sobre os povos
indígenas e quebrar com esses estereótipos, que causam preconceitos. Pois,
apesar disso, há indígenas que assumem cargos importantes e ocupam cadeiras na
política brasileira. No caso de Cícero Marinheiro e Aurivam Barros, ambos vereadores da câmara legislativa de seus municípios. Aurivam, mais
conhecido como Neguinho Truká, é cacique do povo Truká e foi vereador na cidade de
Cabrobó-PE, já Cícero Marinheiro, cacique do povo Tumbalalá, foi vereador, presidente da câmara e foi prefeito interino do município de Abaré-BA no ano de 2016. Com todo
preconceito e discriminação que os indígenas sofrem, eles ainda ocupam posições
importantes em suas regiões.
Professora Ana Maria Marinheiro
Discriminação
Em
alguns casos, o preconceito se transforma em discriminação por falta de conhecimento
e estudos nas áreas culturais, pois o Brasil é um país cultural de várias
línguas, costumes e tradições. Foi como aconteceu com o jovem Edivan Queiroz,
estudante indígena da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.
Em
Julho do ano passado, ele sofreu uma abordagem agressiva por parte da polícia
militar. Ele estava debaixo de uma árvore fumando a sua chanduca, uma espécie de
cachimbo, quando de repente dois policias se aproximaram, revistaram-no de forma
truculenta e o ameaçaram de morte. “Esse ato preconceituoso, eu acredito que é
mais pelo fenótipo do indígena, que o pessoal aprende nas escolas, e o policial
chegou com essa autoridade toda, que não deveria chegar com cidadão nenhum”,
afirma Edivan Fulni-ô.
Outro ato de descriminação aconteceu no Restaurante Universitário da UEFS. Os estudantes indígenas, Marijane dos Santos, Letícia Monteiro, Micaely Martins e Edivan Queiroz foram abordados por colegas da universidade. O jovem começou com o discurso preconceituoso, dizendo que na residência indígena só tem negros. Muitos esquecem dos processos de miscigenação que os povos indígenas do Nordeste sofreram com seus primeiros com os invasores.
Os
estudantes indígenas tentaram explicar o processo de miscigenação que o Nordeste
sofreu, mas o estudante pegou o celular, virou para eles e mostrou uma foto de
um índio, com a fisionomia de 1500 e disse: “índio é esse aqui”. Esse ato
aconteceu no dia 29 de agosto e todos os dois atos foram denunciados a reitoria
da universidade.
Mesmo
com todas as dificuldades e situações que os indígenas enfrentam dentro da
universidade, é importante que eles tenham acesso ao espaço acadêmico para que eles possam apresentar os seus saberes.
“É
importante que a academia escute esses saberes, que esses saberes cheguem a
academia, que a academia não seja um lugar que negue a existência desses
saberes”, diz o professor Juracy Marques.
O acesso dos indígenas também vem aumentando no campo cientifico, com
professores defendendo dissertações de mestrado e tese de doutorado. A finalidade é produzir ciência e promover o fortalecimento do movimento de luta
indígena. “Queremos ser reconhecidos e respeitados pelos nossos conhecimentos
tradicionais, mas é, na academia, que criamos estratégias para combater as
violações de nossos direitos”, afirma Vanessa Barros, indígena formada em
enfermagem pela UNEB.
Gabriel Marinheiro é estudante indígena da nação Tumbalalá e estuda Jornalismo em Multimeios, na UNEB. Matéria produzida em novembro de 2016.
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quarta-feira, 10 de maio de 2017
Por: Bruno Rosa
O candomblé é uma
religião de matriz africana, que chegou ao Brasil através dos negros
escravizados. Proibida durante o período colonial, sofreu com as repressões do
governo imperialista que estabelecia o cristianismo como religião oficial. Atualmente, os
terreiros de candomblé guardam consigo a historia de resistência desses povos,
mantendo vivo também a cultura e os costumes ancestrais.
O terreiro Ilê Ase Ayará Onyndacor tem 51 anos de
história e fica localizado no bairro do Kidé, em
Juazeiro. Fundado pelo já falecido Manoel Rodrigues, que deixou de herança para seus filhos Edson Rosa e
Edna Rosa a missão de manter vivo o terreiro de Candomblé.
Na época de fundação do espaço, o Quidé não era considerado bairro. “O espaço que temos hoje, o terreiro Onyndacor
foi escolhido pelo caboclo índio José de Alencar. Aqui era só mato, foi
preciso muitas pessoas para fazer a limpeza do terreiro, não tinha água nem
eletricidade”, explica Edna Rosa. Ainda segundo ela, aos poucos foram aparecendo outras casas e o que era um lugar
abandonado começou a ganhar as proporções de bairro.
Ao assumir o terreiro de
Candomblé no lugar de seu pai, Edna Rosa queria continuar prestando os serviços
à comunidade tal como seu pai fazia, abrindo as portas para acolher os mais
necessitados, uma das características da religião. ”Candomblé é acolhimento, as
pessoas chegam aqui com fome e com sede e nós damos água e comida para elas. É muito emocionante quando elas contam suas historias de vida e suas dificuldades”.
A religião guarda a cultura das populações africanas, importante na preservação da história e tradição do povo negro. A dança, a culinária, a medicina e a língua são características preservadas principalmente pelos povos de terreiro, além de ser uma religião onde a sabedoria é passada de geração para geração.
Brasão Bloco Filhos de Zaze |
Muitas atividades
culturais são desenvolvidas no terreiro Ilê
Ase Ayará Onyndacor, dentre elas estão o bloco de Afoxé filhos de Zaze, que
desfila no carnaval de Juazeiro desde 2011 e carrega o título de primeiro bloco
de carnaval afro do município. “É muito importante que as tradições sejam
abertas a população em geral, colocar um bloco na rua não é tarefa fácil, mas a
cada ano assumimos o compromisso de levar as raízes africanas para as ruas”, esclarece Edna Rosa.
Cada vez mais, o
terreiro ganha visibilidade, principalmente dentro do campo acadêmico, fazendo
parcerias com a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) e com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) para a produção cultural e trabalhos científicos.
“É muito importante a união com as universidades, para que cada vez mais a
nossa historia seja registrada. Dentro desse barracão já houveram apresentações de Trabalhos de Conclusão de Curso e
artigos, através deles, vamos entrando cada vez mais na historia do Brasil”.
Mas o preconceito com a
religião ainda é presente e casos de intolerâncias ainda são registrados. “As pessoas ainda tem a mente muito fechada para o
candomblé, se apegando a estereótipos produzidos e reproduzidos, não procurando
saber de fato o que é a religião. O candomblé esta sempre com as portas abertas
para que qualquer um”,afirma Edna.
Em suas palestras e falas ela sempre enfatiza a importância de ensinar aos jovens que eles precisam respeitar as diversidades culturais.
Em suas palestras e falas ela sempre enfatiza a importância de ensinar aos jovens que eles precisam respeitar as diversidades culturais.
Também presente no
bairro do Kidé, está o terreiro Ilê Abasy de Oiá Guenã,
presidido
por Adelaide Santos, conhecida como Mãe Adelaide. Este foi um dos terreiros iniciais
na formação do bairro, registrando 54 anos de historia.
Entrada do terreiro Ilê Abasy de Oiá Guenã |
Mãe Adelaide construiu
seu terreiro no local onde só existia caatinga, na época pegava água no Rio São
Francisco. Sua casa já foi de barro, madeira e tijolo, a qual lutou muito para
conseguir reunir todo o material necessário, além de cuidar de seus filhos e
netos.
Sua irmã foi à primeira
da família a iniciar na religião, quando estava sofrendo de uma doença
espiritual, e no candomblé achou a sua cura. “Depois que minha irmã fez o santo
dela eu ia algumas vezes visita-la no barracão de Mãe Filhinha e quando vi já estava dançando com os outros filhos de santo e não demorou para eu
fazer o meu santo também”, explica mãe Adelaide.
Quando se casou, mãe
Adelaide junto com seu marido se mudaram para o local onde mora até hoje, ao
lado da sua casa construiu o seu terreiro de candomblé. Na época, não existiam casas ao redor, mas as pessoas vinham dos mais diversos lugares para buscar atendimento
dos assuntos espirituais.
Com muito trabalho e
esforço, levantou e ampliou o seu barracão, sempre trabalhando para acolher as
pessoas necessitadas que chegassem a sua porta “Nunca neguei nada às pessoas
que vinham pedir minha ajuda, sempre ajudei a todos com muito carinho. Meu
barracão esta sempre com as portas abertas para qualquer um que me procurar”, conta mãe Adelaide.
Mas apesar de todo o seu trabalho duro, mãe Adelaide já foi vítima da intolerância religiosa. O terreiro já sofreu com ataques e todos os seus bens materiais quebrados. Ao
todo, foram cinco vezes que seu terreiro sofreu com a intolerância das pessoas. O último ataque aconteceu em julho de 2015 e foi muito devastador. Pedras foram atiradas no telhado do terreiro e também na sua casa, as paredes
foram pintadas com cruzes e imagens dos orixás foram destruídas.
Na época do
apedrejamento do seu terreiro, Mãe Adelaide se recuperava de um tratamento de câncer. O episódio comoveu muitas pessoas que se comprometeram a ajuda-la na reconstrução
espaço. “Na época, muita gente falou que ia me dar telhas, madeira, tijolo,
cimento, mas poucas delas de fato me ajudaram. Com muito trabalho duro consegui
recuperar boa parte do que foi destruído, mas ainda falta muita coisa a se
fazer”.
Após a repercussão do
ocorrido, um inquérito policial foi aberto para se investigar os autores desse
crime, mas os culpados ainda não foram identificados. Câmeras de vigilância foram
instaladas para capturar imagens de novos ataques, mas não houve registros de nenhuma
violência contra o seu terreiro depois disso “É muito trise presenciar a
destruição de algo que você lutou muito para conseguir levantar, mas com a
força de Deus e dos Orixás vou conseguir me recuperar”.
Atualmente o terreiro Ilê Abasy de Oiá Guenã continua atendendo as
pessoas que buscam pelas orações de Mãe Adelaide, que continua firme na sua
caminhada de luta e resistência junto com o terreiro Ilê Ase Ayará Onyndacor
e tantos outros, que tentam mostrar que a
cultura das religiões de matriz africana vai permanecer sempre na história
do país.
Bruno Rosa é estudante de Jornalismo em Multimeios, na UNEB.
do país.
Bruno Rosa é estudante de Jornalismo em Multimeios, na UNEB.
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terça-feira, 11 de abril de 2017
Por Victória Resende
O atendimento domiciliar é uma característica da atenção primária à saúde Foto: Arquivo Pessoal |
Mesmo em meio aos inúmeros compromissos
diários na Unidade Básica de Saúde (UBS) em que atua, o médico Wandson Padilha
ainda reserva tempo para escrever sobre a sua rotina de trabalho no local. Compartilha os relatos com amigos e colegas de profissão numa rede social. Eles comentam, elogiam, contam suas próprias experiências, se emocionam e,
sobretudo, se identificam.
Os laudos, as receitas e os exames dão
lugar ao olhar clínico e atento do cronista. As mãos, acostumadas ao manejo do
estetoscópio, do aferidor de pressão arterial, dentre outros instrumentos,
percorrem o teclado do computador ou a tela do smartphone e curam o cotidiano
através de palavras que revelam as sutilezas da atenção primária à saúde.
-
Padilha, beber refrigerante todo dia faz mal?
-
Seu Beto, o refrigerante tem muito açúcar e sódio. Pode aumentar o açúcar do
sangue, aumentar sua pressão arterial, além de vários outros problemas. Melhor
tomar um suco de fruta, bastante água. O senhor não gosta de suco?
-
Gosto sim, doutor.
-
E que tal comprar umas frutas para preparar um suquinho?
-
Padilha, eu tomava bastante suco, todos os dias. Até que minha esposa faleceu e
aí eu parei de tomar porque não sei fazer, acabo comprando refrigerante mesmo.
Sinto tanta falta do suco da minha velha. Todos os dias paro sozinho em casa e
fico lembrando dela. Meus filhos moram longe e quase nunca os vejo. Se ao menos
eu soubesse preparar um suco igual o dela...
No dia seguinte, o médico visita o Seu Beto. Sem jaleco ou equipe multidisciplinar. Ensina ao senhor de 82 anos a preparar um suco de capim-santo com limão. Não traz nenhum instrumento ou receituário em mãos. Apenas olhos e ouvidos atentos para aquela história de quase um século. "A consulta nem sempre termina dentro do consultório", conta.
Padilha é residente do Programa de
Medicina de Família e Comunidade da Universidade Federal do Vale do São
Francisco (UNIVASF). A especialidade foi reconhecida pelo Ministério da
Educação em 1981, através da Comissão Nacional de Residência Médica com o nome
de Medicina Geral Comunitária. Em 2002, recebeu a recente nomenclatura em
proposta da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
O método de atenção integral e contínuo
centrado na pessoa existe no mundo inteiro e carrega inúmeras denominações.
Medicina de Família e Comunidade é só uma delas. No geral, a especialidade
busca atender o indivíduo no contexto familiar e no contexto da comunidade em que
a sua família está inserida, considerando aspectos socioculturais e econômicos.
“Saúde não é somente receitar o medicamento. O que levou àquele adoecimento e o
que ele representa dentro de um contexto? Os hábitos de vida interferem no
processo de saúde e adoecimento das pessoas”, comenta Aristóteles Cardona,
médico e coordenador do Programa de Medicina de Família e Comunidade da
UNIVASF.
Padilha conduz roda de conversa com pacientes Foto: Arquivo Pessoal |
Ainda que individuais, as experiências
profissionais de Padilha retratam uma realidade universal nem sempre sutil e
marcada por boas lembranças como a história de Seu Beto. A medicina centrada na
pessoa lhe permite perceber nuances que poderiam facilmente passar
despercebidas, mas que são fundamentais para a compreensão de cada caso, desde
as relações familiares às superestruturas da sociedade (como o patriarcado e o
machismo, por exemplo).
-
Marina*, é importante que a gente faça seu exame ginecológico para saber qual o
tratamento adequado para você. Nós podemos te examinar?
(Segundo de hesitação)
-
Não podem não, doutor.
-
Vamos combinar o seguinte, então. Se os estagiários saírem e eu te examinar,
tem algum problema?
-
Assim pode ser, doutor. Me desculpa. Desculpa mesmo.
-
Não precisa se desculpar, Marina. Eles vão sair agora.
Ao
fim do exame ginecológico, Marina não apresentava dor e, diferente do que havia
relatado, apresentava um corrimento característico de infecção por fungo:
-
Durante a relação, você sente dor?
-
Não tenho relação há mais de 13 anos, doutor. Desde que meu marido foi embora.
-
Ele arranjou outra mulher?
-
Foi, doutor. Mas o pior nem foi isso, o pior era o que acontecia durante o
casamento.
-
Ele te agredia, Marina?
-
Sim. Fisicamente e sexualmente. Eu nunca contei isso. Mas eu sofro só de
lembrar. Há mais de treze anos não consigo me relacionar com homem nenhum. E
não falo só de namoro. Não consigo sequer conversar com um homem. Saí de vários
empregos por isso. Na igreja, se algum homem senta do meu lado, eu já fico
desesperada. Eu sei que tem alguma coisa errada comigo, mas não sei como resolver.
Seguindo o procedimento, Padilha lhe
explicou a importância do tratamento psicoterápico para superar aquilo que
sentia. Marina, que não conseguia conter o choro, aceitou que o seu médico
marcasse um horário com a psicóloga da unidade de saúde do seu bairro. Confiava
no cuidado e gentileza do rapaz. Só não sabia que histórias como a sua eram
estímulo para que tantos profissionais da área continuassem lutando para
transformar o Sistema Único de Saúde (SUS) e torná-lo mais humanizado e
acessível à população.
Segundo Aristóteles Cardona, a Estratégia
Saúde da Família (ESF), implementada ainda na década de 90, foi essencial na
compreensão da atenção básica como ordenadora do sistema público de saúde. Em
números, significa dizer que 80% dos problemas de saúde da população podem ser
resolvidos na atenção primária. Daí a importância da Medicina de Família e
Comunidade para o fortalecimento do SUS. “É uma especialidade cuja proposta é o
estudo e preparação para a atuação no setor público, na ESF”, completa.
Outro ponto importante da ESF é o estabelecimento de uma equipe multidisciplinar no acompanhamento aos pacientes. Enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, dentistas, agentes de saúde, técnicos e auxiliares também contribuem para o trabalho realizado nas UBS. “Um entendimento mais amplo de equipe multidisciplinar é o
de que os profissionais possam dialogar e estabelecer planos terapêuticos, cada
qual com a sua especialidade, mas compartilhando uma visão universal”, comenta Allana Moreira, médica de Família e Comunidade e membro da Residência em Medicina de Família e Comunidade da UNIVASF.
Foto: Arquivo Pessoal |
A etapa de aprendizado não termina para os médicos de Família e Comunidade. Nos pequenos consultórios que, às vezes, funcionam de maneira precária, nas rodas de conversa realizadas nos pátios ou calçadas das UBS, ou mesmo no aconchego das casas simples das comunidades, entre cafés e conversas, os profissionais aprendem algo que não tem referência em nenhum livro: que o afeto e o cuidado curam. E são revolucionários.
* Nome fictício
Victória Resende é aluna de Jornalismo em Multimeios. Reportagem produzida em novembro de 2016.
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domingo, 9 de abril de 2017
Por Jhonatas Nilson
Nascido
em Bagdá, no Iraque, Alhassan Mohammed Fahil tinha 19 anos quando soube que
precisaria mudar de país para ingressar em uma vida completamente nova. Filho
de um engenheiro mecânico e de uma professora de física, ele sabia que as
mudanças não iriam ser fáceis a partir do momento em que entrasse no avião rumo
ao desconhecido.
(Arquivo Pessoal) |
A
realidade era desoladora em Bagdá. O Estado Islâmico parecia assumir cada vez
mais poder, dominando aos poucos cada parte da cidade e do país. Por isso, em
2014, os pais de Alhassan decidiram que já não queriam o filho exposto em uma
área onde os conflitos cresciam dia após dia, fazendo com que eles tomassem uma
das decisões mais difíceis das suas vidas: mandá-lo para viver sozinho em
Wahan, na China.
- No
início, algumas cidades aceitaram o Estado Islâmico. Todo mundo pensou que eles
iriam mudar o nosso país, mas logo começaram a criar várias regras e a matar
todos que não concordavam com eles. Agora, apenas 30% de Bagdá é segura para se
viver.
Nova Cultura
Hoje, aos 21 anos, ele continua morando sozinho no mesmo pequeno apartamento desde que chegou. Com certo ar nostálgico, revela que sente muitas saudades da comida de sua mãe e que ainda não conseguiu se adaptar ao cardápio do novo país. Sendo um muçulmano praticante, tem certas dificuldades com o uso excessivo da carne de porco nos pratos chineses, pois é proibida a degustação da carne suína em sua religião.
No entanto, apesar das diferenças culturais e dos problemas culinários, ele não sentiu nenhum problema em criar amizades em seu novo lar. Todos aparentam ser muito respeitosos e não costumam esboçar nenhum preconceito em relação ao fato de ele ser estrangeiro ou por ser muçulmano. Mais do que apenas novos amigos, as pessoas que ele conheceu nos últimos dois anos acabaram por se tornar uma espécie de nova família para ele, permitindo que a experiência de viver em um novo país não se tornasse algo tão difícil de superar. No início, tudo era muito estranho e nada o fazia feliz, mas logo as coisas foram mudando e se assentando em sua cabeça, e o sentimento de aceitação surgiu com o tempo.
|
No
próximo verão, Alhassan irá voltar para Bagdá depois de um tempo longe da
família. Mas a visita não irá durar muito, e ele ficará apenas por algumas
poucas semanas em sua cidade natal. Quando estiver lá, não poderá sair de
casa. Em tom decepcionado, comenta que as forças armadas do Iraque estão
explodindo boa parte das cidades para expulsar o Estado Islâmico do país. A
ordem do governo é a de que ninguém saia de casa e que todos que estão em
cidades dominadas procurem áreas seguras o mais rápido possível.
Seus
amigos iraquianos continuam mandando notícias e os fatos não são nada animadores.
As fronteiras das cidades estão dominadas por membros do Estado Islâmico e é
possível ver bandeiras e símbolos da organização jihadista islamita por todos
os lados.
- Todas
as igrejas e áreas não muçulmanas estão sendo destruídas pelo Estado Islâmico e
as meninas virgens que têm mais de dezoito anos são sequestradas para serem
usadas por eles.
E
é dessa forma que Alhassan revela que não sente nenhuma vontade de voltar a
viver no Iraque. Dividindo o seu tempo entre a faculdade de farmácia e trabalhando
ocasionalmente como modelo fotográfico, já possui planos de trazer o seu irmão
mais novo de dezesseis anos o mais rápido possível para viver com ele. Com
orgulho, diz que pretende cuidar dele e custear todas as suas necessidades.
Quando
terminamos de conversar, Alhassan faz questão de finalizar com uma frase
marcante e que talvez represente o desejo de muitos dos habitantes iraquianos:
- Aqui onde estou eu sou livre.
A
liberdade, apesar de tudo, nunca foi tão doce.
Jhonatas Nilson é estudante de Jornalismo em Multimeios.
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Por Jaislane Ribeiro
O
ano de 2016 foi considerado ‘ano olímpico’ e o Brasil foi país sede
dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Ao
longo das duas competições, jovens habilidosos foram
revelados para o mundo. Muito desses talentos enfrentaram dificuldades para
chegarem aos Jogos e conseguirem uma ‘valorização’, como Isaquias
Queiroz, atleta olímpico nas provas de canoagem, e Petrucio Ferreira, paralímpico que se destacou nas provas de atletismo
(corrida), ganhando três medalhas paralímpicas, sendo uma delas de ouro.
Na
cidade de Juazeiro, há muitas crianças e adolescentes com talento para o
esporte, que desejam fazer parte de uma olimpíada.
Aos
13 anos, Marília Maciel, estuda no colégio municipal Paulo VI e prática o
atletismo na modalidade salto em distância. Conheceu a pratica através de um
ex- professor que faleceu. A sua primeira
competição foi em 2013 nos jogos escolares da cidade. No ano seguinte, participou
novamente do torneio. Em 2015, se classificou para a fase regional em Simões Filho e para a etapa nacional em Fortaleza.
Em 2016, Marília foi para a etapa nacional dos Jogos Escolares da juventude, em João Pessoa. Sua rotina diária é cansativa. Pela manhã, estuda. Treina à tarde quase todos os dias, exceto a sexta. Os treinamentos acontecem no colégio e, no final de semana, pratica o vôlei. Apesar das conquistas, a jovem atleta avalia que tem muitas dificuldades, “Falta mais apoio da escola, da prefeitura, equipamentos e lugar adequado”, afirma. Mesmo assim, sonha em continuar no esporte e um dia representar o país em uma Olimpíada.
Um menino que se ‘redescobriu’ no
atletismo
Felipe
Rodrigues tem 14 anos e estuda na escola Paulo VI, onde pratica atletismo (corrida) 55 metros. Conheceu
a modalidade através do treinador Ramon Gabriel. Antes jogava
futebol, mas o professor chamou para conhecer o atletismo. “Aí eu
falei professor eu não sei correr. E ele falou, vamos tentar. E eu falei está
certo, eu corri e ele viu potencial. Se não fosse o professor, não teria
encontrado o atletismo”, disse Felipe. Para ele, não foi uma tarefa fácil
trocar o esporte que amava por um que não conhecia.
Ele
iniciou com o atletismo em 2016, participou dos jogos escolares da cidade, se
classificou para a fase regional e a etapa nacional. Felipe também encontra os
mesmos problemas estruturais relatados por Marília. Sua rotina é treinar todos
os dias de segunda a sexta, ter uma boa alimentação e não pode praticar outros
esportes para não ter lesões físicas. Estuda pela manhã, faz exercícios
à tarde e descansa à noite. A rotina é árdua, mas ele tem disciplina.
Uma
menina bem determinada. É assim que se define Ana Luiza Monteiro, que estuda o oitavo ano do Colégio Paulo VI. Ela tem 13 anos e pratica lançamento de disco. Foi em
2015 que o professor e treinador Ramon, apresentou o arremesso. A princípio, conheceu
o arremesso de peso e depois o de disco. “Eu lancei o disco e gostei e pedi para trocar porque não tinha nenhuma
menina competindo, só tinha um menino”, disse.
Em 2016, conquistou o segundo lugar nos jogos
escolares da cidade. Com o resultado, foi para a etapa regional em Simões Filho,
classificando para competir a etapa nacional dos jogos da juventude. Durante a
semana, Ana sai de casa cedo para ir à aula. Quando termina, volta para sua
residência e depois vai novamente para escola, onde realiza os treinamentos do
atletismo. No termino do treino, ela ainda faz futsal em outro local. É uma
rotina intensa, mas faz com muito carinho e amor.
Para
Ana, a escola não valoriza o atletismo, só outras modalidades como Futsal e
Vôlei. Ela relata que sofre preconceito por parte de seus
familiares que acreditam que o arremesso de disco é um esporte para homens. “Minha
família por parte de pai não gosta muito, dizem que o futsal e o atletismo não
são para mulheres, que o lugar de mulher é dentro de casa. No futsal, é mais
forte o preconceito. Eu escuto esses comentários que doem muito”, disse. Ana
pretende seguir no esporte, depois que acabar os estudos e ser uma atleta
profissional.
O observador de talentos
Ramon
simplesmente observa as crianças e adolescentes no dia a dia. Foi assim que
descobriu os talentos da escola. Ramon Gabriel Pereira é professor de Educação
Física do colégio Paulo VI. Aos 25 anos, é treinador e incentivador dos
pequenos atletas de Juazeiro. O colégio iniciou no ano de 2015 o projeto de
esporte voltado para o atletismo, onde abrange todas as categorias pré mirim,
mirim e o juvenil e com o trabalho a logo médio prazo. Já existem resultados satisfatórios e inéditos para a escola. Quatro atletas da equipe se
classificaram para a etapa nacional dos Jogos Escolares da Juventude- JEG’s em
João Pessoa.
Os
estudantes Marília, Felipe, Ana Luisa e Thaísa competiram na categoria B com a
faixa etária de 12 a 14 anos. Apesar da
conquista, Ramon afirma que existe dificuldades. “A questão maior é o espaço
físico do colégio, temos que adaptar muito os nossos treinos. Pouquíssimas
vezes a gente treina em outro lugar. Perto da competição nacional, eles treinam
na academia, porque eles ganharam uma bolsa lá, foi um patrocínio de um amigo e eles fazem musculação grátis,” disse o jovem treinador.
Em
relação aos custos de competições, esclareceu que, quando os jogos
acontecem na cidade, a escola ajuda no transporte e lanche. Mas ele costuma
pagar despesas e conta com ajuda dos amigos e familiares. “Quando há competições
regionais é da responsabilidade da confederação de atletismo da Bahia e a
nacional também, a diferença é que nessa é a organização nacional quem custeia os
gastos dos atletas, mas os custos do treinador não,” afirma.
Uma herança Familiar
Alana
Maíra tem 16 anos e estuda na escola estadual Heleno Celestino. É judoca e vem de
uma família de judocas. Seu avô Paulo Afonso é um dos grandes percussores da
modalidade na região. Aos oito anos de idade, Alana participou de sua primeira
competição. Ela é campeã nacional pela federação SESC feminino de judô 2014 na categoria
pesado. Atualmente, é campeã brasileira da CVLG na categoria peso médio 70 kg e
ocupa o segundo lugar do ranking
baiano na federação de judô da Bahia. Além dos títulos nacionais, a atleta
coleciona há três anos consecutivos a medalha de ouro dos jogos escolares da
cidade. Esse ano se classificou para a etapa regional dos jogos em Simões Filho.
Seu
dia a dia é cansativo, mas não se incomoda porque faz por amor. Estuda em tempo
integral, acorda às 5h30 e faz exercícios leves. Às 7h da manhã, segue para escola retornando às 16h. Descansa rapidamente e segue para academia desenvolvendo
atividades de musculação. E depois para a academia de Judô isso de segunda a
quinta. Os treinos são interrompidos na sexta, por ser adventista. Já no final
de semana realiza uma corrida de leve, e com cuidado na alimentação.
Alana
é beneficiária da bolsa atleta desde os 14 anos. O dinheiro ajuda os custos das
competições. Mas, apesar do auxílio, ainda há dificuldades, pois os
equipamentos e roupas da modalidade não são tão acessíveis. Ela recebe todo o
apoio da sua família, o tio ajuda na técnica, a mãe na alimentação e o pai nos
treinos. Assim, todos ao seu redor
ajudam de uma forma.
A
atleta falou sobre a participação das mulheres no judô e os preconceitos que
ainda existem “Eu acho incrível, eu fico muito triste quando amigas minhas, e
colegas de treino chegam para mim e diz que vai sair porque os pais acham que o
esporte e para os homens. A participação da mulher no esporte é muito
importante por que todas nos temos capacidade”, disse.
Alana
falou dos seus planos para o futuro. “Eu sonho em representar o Brasil em 2020,
eu tenho uma meta de chegar até lá. Desde 2013 eu sonho com as olimpíadas”,
afirma, com determinação.
Jaislane Ribeiro é estudante de Jornalismo em Multimeios,
Matéria realizada em novembro de 2016.
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domingo, 26 de março de 2017
Juliano Ferreira
Todos
os anos moradores da comunidade de Barrinha da Conceição em Juazeiro se reúnem
na capela para festejar a padroeira Nossa Senhora da Conceição. Entoando
cânticos, acompanhado de um tambor, guitarra e
ao som de fogos, a imagem da santa percorre a casa de todos os moradores todo 8 de dezembro, dia de culminância do novenário que inicia em 29 de novembro.
A
moradora mais velha da comunidade, Roberta Maria dos Santos Oliveira, conta que
o aldeamento do espaço começou a partir da vinda de seus antepassados de
Canudos (BA) para Juazeiro. Eles fugiam da guerra que assolava a localidade,
que durou de 1896 a 1897. A imagem de Nossa Senhora da Conceição foi conservada
na casa da avó de Roberta, em sua casa de barro, onde realizava novenas em
homenagem a santa. “Ela enfeitava a casa com correntes. Antes não tinha festa,
mas as novenas”.
Roberta Maria, moradora de Barrinha da Conceição. Foto: Adeilton Júnior/Quilombos e Sertões |
O
sincretismo religioso está muito presente na comunidade. Roberta lembra que havia a cultura de culto ao caboclo, nas proximidades da aldeia,
mais especificamente na Ilha do Rodeador. Com pesar, ela diz que esse tipo de
celebração “se acabou”, mas ainda se recorda de rituais como a chegada do caboclo
“Juremeira”. Apesar do apagamento da tradição, a matriarca lembra de algumas
cantigas daquele período:
“Eu atirei, eu atirei e ninguém viu.
Eu atirei, eu atirei e ninguém viu,
Seu Sete Flechas é quem sabe aonde a flecha
caiu,
Seu Sete Flechas é quem sabe aonde a flecha caiu”.
Hoje,
a comunidade tem uma capela própria para a padroeira Nossa Senhora da Conceição. Apesar de se dizer um
grupo essencialmente católico, os moradores recordam a existência de um
terreiro de candomblé na aldeia. Alguns frequentaram as festas organizadas
pelo pai Arlindo, já falecido.
Aos
26 anos, Larissa dos Santos Oliveira é a vice-presidente da Associação de
Vizinhança de Barrinha da Conceição. Neta de Roberta, ela luta pelo
reconhecimento da própria comunidade enquanto quilombola. O grupo tem
aproximadamente 60 pessoas e não aceita pessoas que não pertencem a comunidade. Os mais jovens têm dificuldade em admitir ser remanescente de quilombo, pois associam o fato
ao preconceito racial.
Há
algum tempo, a comunidade deixou de cultivar a terra e produzir o plantio. Hoje,
a maioria da população trabalha na zona urbana de Juazeiro. Larissa explica que
um dos ganhos da associação foi que o ônibus chegasse até a aldeia em horários
regulares, transportando os moradores às 6h30, 12h e 17h, o que facilitou principalmente o acesso das crianças a escola, além do
retorno dos trabalhadores.
Na aldeia, não há uma escola para as crianças, tão
pouco um posto de saúde próximo. Outro problema é a falta de
saneamento básico. A associação pensa em implantar a agricultura familiar, construindo
uma horta coletiva para os moradores, favorecendo a oportunidade de emprego e a
alimentação. No entanto, não há irrigação, pois apesar da proximidade com o
rio, eles não possuem um sistema para levar água às suas terras de plantio.
Quilombo
Orlando
dos Santos Barros, natural de Salvador, chegou à Barrinha da Conceição para
ajudar na construção do centro comunitário em meados de 2009. Casou-se com uma
das netas de Dona Roberta, teve um filho e trabalha como supervisor de
iluminação pública na Prefeitura de Juazeiro. Quando
passou a morar em Barrinha, foi escolhido para ser o presidente Associação
Comunitária dos Lavradores e Quilombolas de Barrinha da Conceição conhecida
pelo nome fantasia de “Nossa Gente Quilombola”.
Após
assumir o cargo de presidente, tomou conhecimento de que já existiam outras
comunidades remanescentes de quilombo como Rodeador, Curral Novo, Quipá,
Alagadiço, Passagem, Capim de Raiz, Angico, Deus Dará, Junco, Pau Preto e
Barrinha do Cambão.
Assim
como a história do surgimento da comunidade, no qual os antepassados, negros,
estavam fugindo da guerra de Canudos. Barros destaca que a maioria das
comunidades quilombolas não se reconhece como tal. Segundo ele, os moradores têm
uma visão deturpada do ser remanescente de quilombo. E quando se afirmam o
fazem inconscientemente, pois não sabem o que significa ser povo de quilombo. Orlando
alerta ainda, que as manifestações culturais existentes na comunidade como o Samba
de Veio e o terreiro de caboclo se perderam ao longo dos anos. As manifestações
que não foram extintos passam por um processo de enfraquecimento como o rosário,
feito em homenagem a Nossa Senhora da Conceição.
Diante
de todos esses relatos é perceptível a falta de políticas públicas que abarquem
e facilitem a permanência da tradição de comunidades remanescentes de quilombo
como em Barrinha da Conceição. Apesar de ainda conservarem certa tradição, como
a festa da padroeira do local, muito da cultura relembrada pela matriarca
Roberta se perdeu com o tempo. Até mesmo a história da aldeia se vê na
eminência de ser esquecida, já que é apenas a idosa que sabe narrar a história do seu
povo.
Juliano Ferreira é estudante de Jornalismo em Multimeios