Outro ato de descriminação aconteceu no Restaurante Universitário da UEFS. Os estudantes indígenas, Marijane dos Santos, Letícia Monteiro, Micaely Martins e Edivan Queiroz foram abordados por colegas da universidade. O jovem começou com o discurso preconceituoso, dizendo que na residência indígena só tem negros. Muitos esquecem dos processos de miscigenação que os povos indígenas do Nordeste sofreram com seus primeiros com os invasores.
sábado, 27 de maio de 2017
Desafios da permanência dos estudantes indígenas na universidade
Por: Gabriel Marinheiro de Lima
Aprender
a usar a caneta e o papel é o novo campo de luta que os indígenas conquistaram para garantir os seus direitos, ao ter acesso ao ensino básico e superior. Segundo dados do INEP de 2014, 22.030
estudantes do ensino superior no país se autodeclaram indígenas, dos quais
8.043 estavam matriculados em instituições públicas e 13.987 em instituições privadas. É
um número que está aumentando, porém a educação indígena só foi assegurada no
Art. 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 , mesmo já existindo estudos da Organização
Internacional do Trabalho, criada nos Estados Unidos, que defendiam o acesso ao
ensino desde a década de 1920.
O
acesso de indígenas nas universidades ocorre por
meio de vestibulares regulares e por ações afirmativas, como o sistema
de cotas que as universidades aderiram através da lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, quando foi
aprovada e sancionada pela ex-presidente da República, Dilma Rousseff. Mas, a Universidade
do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Universidade do Estado da Bahia - UNEB e a
Universidade de Brasília - UnB, já tinham o sistema antes da lei ser sancionada
em 2012.
Contudo,
para manter seus estudos fora de sua aldeia de origem, os estudantes indígenas
passam por muitas situações difíceis, desde a permanência do aluno na
universidade à assistência estudantil para se manter financeiramente e suprir
seus gastos. A depender da localidade o custo pode ser bem alto, como relata Cecília
Pataxó, estudante indígena da UFBA. Há famílias que não têm condições de manter
seus filhos na universidade por não ter uma boa condição
financeira. Então, cabe a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) garantir a
permanência do indígena na universidade, porém nem sempre a instituição cumpre
com a sua obrigação.
Também
não é fácil deixar a aldeia e morar na cidade, pois, muitas vezes, isso
impossibilita praticar rituais e costumes do seu povo. “Muitas universidades e
colegiados não têm clareza nem sensibilidade para entender os costumes, pois a
espiritualidade está relacionada a nossa saúde e ancestralidade, por isso
precisamos estar sempre em contato com o nosso povo e, para isso, precisamos ir
a nossas aldeias exercer a prática”, ressalta Cecília Pataxó.
Estudante indígena Cecília Pataxó
Os
estudantes indígenas sofrem bastante com preconceito por não apresentarem o estereótipo
do índio arcaico. Os livros escolares caracterizam como alguém de
cabelo liso, pele morena, que mora em oca e anda nu na mata. “Já me perguntaram
se o nosso povo come gente”, relata o estudante do ensino fundamental Thiago Felipe Gomes.
Segundo
a professora Ana Maria Marinheiro, situações como essa ocorrem porque o Brasil
passou por um processo de miscigenação, principalmente no nordeste do país com
a chegada dos invasores e dos negros africanos. “Por isso que hoje nós, povos
indígenas do nordeste e ribeirinhos, sofremos preconceitos, porque hoje o nosso
povo não é mais esse índio de pele morena e cabelo liso”, afirma a professora
indígena.
Para
Ana Maria, as escolas brasileiras devem atualizar o ensino sobre os povos
indígenas e quebrar com esses estereótipos, que causam preconceitos. Pois,
apesar disso, há indígenas que assumem cargos importantes e ocupam cadeiras na
política brasileira. No caso de Cícero Marinheiro e Aurivam Barros, ambos vereadores da câmara legislativa de seus municípios. Aurivam, mais
conhecido como Neguinho Truká, é cacique do povo Truká e foi vereador na cidade de
Cabrobó-PE, já Cícero Marinheiro, cacique do povo Tumbalalá, foi vereador, presidente da câmara e foi prefeito interino do município de Abaré-BA no ano de 2016. Com todo
preconceito e discriminação que os indígenas sofrem, eles ainda ocupam posições
importantes em suas regiões.
Professora Ana Maria Marinheiro
Discriminação
Em
alguns casos, o preconceito se transforma em discriminação por falta de conhecimento
e estudos nas áreas culturais, pois o Brasil é um país cultural de várias
línguas, costumes e tradições. Foi como aconteceu com o jovem Edivan Queiroz,
estudante indígena da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.
Em
Julho do ano passado, ele sofreu uma abordagem agressiva por parte da polícia
militar. Ele estava debaixo de uma árvore fumando a sua chanduca, uma espécie de
cachimbo, quando de repente dois policias se aproximaram, revistaram-no de forma
truculenta e o ameaçaram de morte. “Esse ato preconceituoso, eu acredito que é
mais pelo fenótipo do indígena, que o pessoal aprende nas escolas, e o policial
chegou com essa autoridade toda, que não deveria chegar com cidadão nenhum”,
afirma Edivan Fulni-ô.
Outro ato de descriminação aconteceu no Restaurante Universitário da UEFS. Os estudantes indígenas, Marijane dos Santos, Letícia Monteiro, Micaely Martins e Edivan Queiroz foram abordados por colegas da universidade. O jovem começou com o discurso preconceituoso, dizendo que na residência indígena só tem negros. Muitos esquecem dos processos de miscigenação que os povos indígenas do Nordeste sofreram com seus primeiros com os invasores.
Os
estudantes indígenas tentaram explicar o processo de miscigenação que o Nordeste
sofreu, mas o estudante pegou o celular, virou para eles e mostrou uma foto de
um índio, com a fisionomia de 1500 e disse: “índio é esse aqui”. Esse ato
aconteceu no dia 29 de agosto e todos os dois atos foram denunciados a reitoria
da universidade.
Mesmo
com todas as dificuldades e situações que os indígenas enfrentam dentro da
universidade, é importante que eles tenham acesso ao espaço acadêmico para que eles possam apresentar os seus saberes.
“É
importante que a academia escute esses saberes, que esses saberes cheguem a
academia, que a academia não seja um lugar que negue a existência desses
saberes”, diz o professor Juracy Marques.
O acesso dos indígenas também vem aumentando no campo cientifico, com
professores defendendo dissertações de mestrado e tese de doutorado. A finalidade é produzir ciência e promover o fortalecimento do movimento de luta
indígena. “Queremos ser reconhecidos e respeitados pelos nossos conhecimentos
tradicionais, mas é, na academia, que criamos estratégias para combater as
violações de nossos direitos”, afirma Vanessa Barros, indígena formada em
enfermagem pela UNEB.
Gabriel Marinheiro é estudante indígena da nação Tumbalalá e estuda Jornalismo em Multimeios, na UNEB. Matéria produzida em novembro de 2016.
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