sábado, 27 de maio de 2017

Desafios da permanência dos estudantes indígenas na universidade

                                                                         Por: Gabriel Marinheiro de Lima


Aprender a usar a caneta e o papel é o novo campo de luta que os indígenas conquistaram para garantir os seus direitos, ao ter acesso ao ensino básico e  superior. Segundo dados do INEP de 2014, 22.030 estudantes do ensino superior no país se autodeclaram indígenas, dos quais 8.043 estavam matriculados em instituições públicas e 13.987 em instituições privadas. É um número que está aumentando, porém a educação indígena só foi assegurada no Art. 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 , mesmo já existindo estudos da Organização Internacional do Trabalho, criada nos Estados Unidos, que defendiam o acesso ao ensino desde a década de 1920.



Contudo, para manter seus estudos fora de sua aldeia de origem, os estudantes indígenas passam por muitas situações difíceis, desde a permanência do aluno na universidade à assistência estudantil para se manter financeiramente e suprir seus gastos. A depender da localidade o custo pode ser bem alto, como relata Cecília Pataxó, estudante indígena da UFBA. Há famílias que não têm condições de manter seus filhos na universidade por não ter uma boa condição financeira. Então, cabe a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) garantir a permanência do indígena na universidade, porém nem sempre a instituição cumpre com a sua obrigação.

Também não é fácil deixar a aldeia e morar na cidade, pois, muitas vezes, isso impossibilita praticar rituais e costumes do seu povo. “Muitas universidades e colegiados não têm clareza nem sensibilidade para entender os costumes, pois a espiritualidade está relacionada a nossa saúde e ancestralidade, por isso precisamos estar sempre em contato com o nosso povo e, para isso, precisamos ir a nossas aldeias exercer a prática”, ressalta Cecília Pataxó.

Estudante indígena Cecília Pataxó

Os estudantes indígenas sofrem bastante com preconceito por não apresentarem o estereótipo do índio arcaico. Os livros escolares caracterizam como alguém de cabelo liso, pele morena, que mora em oca e anda nu na mata. “Já me perguntaram se o nosso povo come gente”, relata o estudante do ensino fundamental Thiago Felipe Gomes.

Segundo a professora Ana Maria Marinheiro, situações como essa ocorrem porque o Brasil passou por um processo de miscigenação, principalmente no nordeste do país com a chegada dos invasores e dos negros africanos. “Por isso que hoje nós, povos indígenas do nordeste e ribeirinhos, sofremos preconceitos, porque hoje o nosso povo não é mais esse índio de pele morena e cabelo liso”, afirma a professora indígena.

Para Ana Maria, as escolas brasileiras devem atualizar o ensino sobre os povos indígenas e quebrar com esses estereótipos, que causam preconceitos. Pois, apesar disso, há indígenas que assumem cargos importantes e ocupam cadeiras na política brasileira. No caso de Cícero Marinheiro e Aurivam Barros, ambos vereadores da câmara legislativa de seus municípios. Aurivam, mais conhecido como Neguinho Truká, é cacique do povo Truká e foi vereador na cidade de Cabrobó-PE, já Cícero Marinheiro, cacique do povo Tumbalalá, foi vereador, presidente da câmara e foi prefeito interino do município de Abaré-BA no ano de 2016. Com todo preconceito e discriminação que os indígenas sofrem, eles ainda ocupam posições importantes em suas regiões.
Professora Ana Maria Marinheiro

Discriminação

Em alguns casos, o preconceito se transforma em discriminação por falta de conhecimento e estudos nas áreas culturais, pois o Brasil é um país cultural de várias línguas, costumes e tradições. Foi como aconteceu com o jovem Edivan Queiroz, estudante indígena da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.

Em Julho do ano passado, ele sofreu uma abordagem agressiva por parte da polícia militar. Ele estava debaixo de uma árvore fumando a sua chanduca, uma espécie de cachimbo, quando de repente dois policias se aproximaram, revistaram-no de forma truculenta e o ameaçaram de morte. “Esse ato preconceituoso, eu acredito que é mais pelo fenótipo do indígena, que o pessoal aprende nas escolas, e o policial chegou com essa autoridade toda, que não deveria chegar com cidadão nenhum”, afirma Edivan Fulni-ô.

Outro ato de descriminação aconteceu no Restaurante Universitário da UEFS. Os estudantes indígenas, Marijane dos Santos, Letícia Monteiro, Micaely Martins e Edivan Queiroz foram abordados por colegas da universidade. O jovem começou com o discurso preconceituoso, dizendo que na residência indígena só tem negros. Muitos esquecem dos processos de miscigenação que os povos indígenas do Nordeste sofreram com seus primeiros com os invasores.

Os estudantes indígenas tentaram explicar o processo de miscigenação que o Nordeste sofreu, mas o estudante pegou o celular, virou para eles e mostrou uma foto de um índio, com a fisionomia de 1500 e disse: “índio é esse aqui”. Esse ato aconteceu no dia 29 de agosto e todos os dois atos foram denunciados a reitoria da universidade.


Mesmo com todas as dificuldades e situações que os indígenas enfrentam dentro da universidade, é importante que eles tenham acesso ao espaço acadêmico para que eles possam apresentar os seus saberes. 



“É importante que a academia escute esses saberes, que esses saberes cheguem a academia, que a academia não seja um lugar que negue a existência desses saberes”, diz o professor Juracy Marques. 

O acesso dos indígenas também vem aumentando no campo cientifico, com professores defendendo dissertações de mestrado e tese de doutorado. A finalidade é produzir ciência e promover o fortalecimento do movimento de luta indígena. “Queremos ser reconhecidos e respeitados pelos nossos conhecimentos tradicionais, mas é, na academia, que criamos estratégias para combater as violações de nossos direitos”, afirma Vanessa Barros, indígena formada em enfermagem pela UNEB.   

Gabriel Marinheiro é estudante indígena da nação Tumbalalá e estuda Jornalismo em Multimeios, na UNEB. Matéria produzida em novembro de 2016.

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