João José: O lugar de espaço das escolas, que, na verdade, não é sobre o espaço, revela-se o lugar que a escola destina para esse tipo de atividade que não é canalizada para uma atividade “produtiva”. É uma concepção de escola, muitas vezes, voltada para abastecer o mercado e pouco cuidadosa com a admissão da cidadania, do indivíduo, desse cuidado consigo mesmo. Então, é uma escola muito voltada para produzir os “soldados” que vão atender as demandas do mercado. E isso, claro que é uma tendência dominante, mas não é única. Nós encontramos pessoas muito sensíveis, muito engajadas nessa forma de compreender a educação como transformadora. Na Escola de Tempo Integral foi muito legal o trabalho, muito fácil até, porque houve uma abertura, uma disponibilidade da diretora, da coordenadora. A gente teve um pouco de dificuldade com uma outra questão: a questão religiosa. O preconceito em relação à yoga. como se fosse uma religião, acabou impedindo que os pais permitissem que algumas crianças realizassem a prática. Isso para a gente foi muito doloroso, porque a gente via as crianças querendo fazer junto com as outras, mas respeitávamos a decisão dos pais. A gente tentou conversar com eles, mas não foi possível. Isso foi uma dificuldade realmente, um desafio.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
Uma Janela Sobre o Corpo
Anette Bento e Victória
Resende
João
José em entrevista (Foto: Anette Maria Bento)
Segunda, 18 de novembro, final de tarde, João
José entra na sala onde havíamos marcado a entrevista, na Universidade do
Estado da Bahia e nos pede desculpa pelo atraso. Abre um sorriso e oferece um café. Calmamente,
enche dois copos e os coloca sobre a mesa próximo aos livros Eros e Civilização, de Herbert Marcuse, Consciência moral e agir comunicativo,
de Habermas e Metafísicas canibais, de Eduardo Viveiros. Senta em nossa frente
e, antes mesmo que a entrevista tivesse início, ele começa a contar sobre a sua
vida e a trajetória na Comunicação e na Yoga.
Desde a adolescência, João já tinha uma
aproximação com “coisas que transcendem um pouco”, como nos relata com um leve
sorriso no rosto. Na graduação de Comunicação
Social conheceu a Yoga, estudo e prática que carrega consigo desde então. Fez
seu trabalho de conclusão de curso durante a graduação na perspectiva dos estudos da Yoga como um produto
da Comunicação. O interesse o levou aos estudos de doutoramento em Ciências
Sociais. Hoje, João é instrutor de Yoga, professor e pesquisador da
Universidade do Estado da Bahia e orientador do projeto de Pesquisa e Extensão Corpoética.
Em uma entrevista marcada
pela interação corpo e mente, assim como na prática da Yoga, João fala sobre o
Corpoética, sobre os benefícios da prática da Yoga no ambiente escolar e universitário
e sobre os conhecimentos pessoais adquiridos ao longo destes anos.
EntreRelatos: A Yoga contribui
na relação mente/corpo do indivíduo. De que maneira, ela pode contribuir nas
relações entre os sujeitos integrados em um mesmo espaço?
João José: Quando você se
conhece melhor, percebe a violência que você pode imprimir contra você mesmo, você consegue ter consciência disso, e, naturalmente, tende a compreender melhor o efeito de sua atitude em relação ao outro. Então, desenvolve maior consciência. Além disso, a própria prática, como ela é
bio-psíquica, harmoniza as nossas glândulas e nos oferece autodomínio
sobre nossos humores, temperamentos e disposições. Então, as práticas tendem a inibir o cortisol, que é um hormônio
que está ligado à agressividade, a competitividade, a violência, e a estimular
a endorfina, o hormônio do prazer, da felicidade. Existe essa
explicação biológica, mas que, na verdade, também é comportamental e
filosófica, porque a gente começa a perceber que no yoga tem muito claro esse
grau de parentesco que nós temos uns com os outros, que a gente está muito
afinado um com o outro. Então, se eu agrido você, eu também estou me agredindo
de alguma forma.
EntreRelatos: O Corpoética, como
um projeto de pesquisa e extensão, não ficou restrito à universidade e adentrou
algumas escolas públicas de Juazeiro. E, no ensino básico, os esportes, as artes
e as demais humanidades, geralmente, não são consideradas como prioridade.
Quais as barreiras o projeto enfrentou para adentrar o espaço escolar?
João José: O lugar de espaço das escolas, que, na verdade, não é sobre o espaço, revela-se o lugar que a escola destina para esse tipo de atividade que não é canalizada para uma atividade “produtiva”. É uma concepção de escola, muitas vezes, voltada para abastecer o mercado e pouco cuidadosa com a admissão da cidadania, do indivíduo, desse cuidado consigo mesmo. Então, é uma escola muito voltada para produzir os “soldados” que vão atender as demandas do mercado. E isso, claro que é uma tendência dominante, mas não é única. Nós encontramos pessoas muito sensíveis, muito engajadas nessa forma de compreender a educação como transformadora. Na Escola de Tempo Integral foi muito legal o trabalho, muito fácil até, porque houve uma abertura, uma disponibilidade da diretora, da coordenadora. A gente teve um pouco de dificuldade com uma outra questão: a questão religiosa. O preconceito em relação à yoga. como se fosse uma religião, acabou impedindo que os pais permitissem que algumas crianças realizassem a prática. Isso para a gente foi muito doloroso, porque a gente via as crianças querendo fazer junto com as outras, mas respeitávamos a decisão dos pais. A gente tentou conversar com eles, mas não foi possível. Isso foi uma dificuldade realmente, um desafio.
EntreRelatos: Quais processos de
desenvolvimento cognitivo essas crianças poderão adquirir em longo prazo? Ou
seja, o que se espera de um adulto que teve em sua infância a prática contínua
da Yoga?
João José: A professora, que mais acompanhou o
projeto, falava que, depois da prática, as crianças estavam muito mais
receptivas ao aprendizado, mais tranquilas para aprender, para se concentrar, e
mais afetuosas umas com as outras. Era um momento muito interessante porque não
era um momento de uma disciplina rígida, militarizada. Não era o corpo padrão,
era o corpo que se revelava, que se descobria, que fazia posições de animais,
que brincava, que interagia representando a natureza. Então, o respeito à
natureza, o respeito aos outros seres, isso, de alguma forma, tem um potencial
de formar indivíduos mais conscientes de seu papel no mundo, de seu lugar no
mundo.
EntreRelatos: Em um dos seus
artigos, escrito com uma colaboradora do Corpoética, o senhor comenta sobre a Yoga fastfood e sua prática como modismo. O
senhor acredita que a Indústria Cultural se apropriou desta filosofia? Como
observa este fenômeno?
João José: Ela está muito presente no próprio debate
que a gente faz na Corpoética sobre as representações do corpo na sociedade
contemporânea. Que corpo é esse? Que corpo é esse, canônico, corpo que tem que
ser perfeito em suas formas, uma estética cosmética e asséptica? Esse padrão de
juventude, de combate ao estresse, que isso está muito na moda, esse triunfo do
terapêutico, que isso pode ser tomado de uma forma de um ponto de vista
superficial, de um ponto de vista muito integrado à sociedade de consumo: é um
produto a ser consumido, a gente pode ir lá e comprar esse produto. Claro que
isso não é de absoluto o que a gente pode dizer do yoga, mas o yoga de fato se
apresenta como um produto, como modismo também.
EntreRelatos: No mês passado,
aconteceu o lançamento do e-book e
documentário do Corpoética na UNEB. Qual a importância dessas produções para o
campo universitário e, principalmente, para os sujeitos que circulam neste
ambiente?
João José: Esses produtos eu chamei de educomunicativos, no sentido de difundir, de transmitir, de
compartilhar com um público maior uma experiência de pesquisa que está muito
ligada a um grupo e esses produtos abrem essa caixa de Pandora e trazem as
reflexões para sociedade de forma mais ampla. No lançamento estavam não só o
grupo de pesquisa e seus adeptos, seus simpatizantes, como estavam de alguma
forma a comunidade acadêmica com os estudantes de Pedagogia e de Comunicação.
Havia também gente da comunidade, do Centro de
Terapias Naturais Gianni Bande [CETGIB], de outra universidade, das escolas.
Isso é interessante porque nosso objetivo é abrir os muros da universidade e
levar para fora aquilo que está sendo produzido aqui, um produto resultado de
uma pesquisa.
EntreRelatos: A experiência com o Corpoética consegue mudar a forma
de ver a vida de muitas pessoas. Para o senhor, qual está sendo o maior
conhecimento adquirido com o projeto?
João José: [uma grande pausa, seguida de um suspiro
forte] O desafio de articular autoconhecimento com conhecimento científico de
uma área específica que é a comunicação. Então, o grande desafio é trazer isso
cada vez mais para comunicação. A gente está se apropriando muito da Filosofia
da Comunicação, até de uma Antropologia da Comunicação e estamos caminhando
para caminhar em áreas mais técnicas da comunicação e esse é o grande desafio,
que eu estou tentando aprender a fazer.
EntreRelatos: O Brasil possui
uma pluralidade cultural riquíssima, na qual os sujeitos se apropriam de outras
culturas para as relações de identidades. Há a possibilidade de encontrarmos
uma hibridização de culturas como a indígena e a africana na prática da Yoga em
nosso país?
João José: Perfeito! Uma ótima pergunta! [com um grande
sorriso no rosto] É isso que a gente quer fazer cada vez mais. A gente
percebe isso, como tem relação, principalmente com a africana. Yoga e capoeira,
por exemplo, tem uma coisa muito interessante para dialogar. Já fiz várias
práticas de yoga combinando com o professor de capoeira e era bem legal esse
diálogo. Você trouxe uma coisa bem legal que é essa riqueza cultural, essa
matéria-prima que cada indivíduo pode acessar e se fazer a partir disso,
combinar sua própria síntese. E quando não tem essa matéria-prima, a gente
perde com isso, o indivíduo se vê empobrecido. Tem agora esse projeto Escola
Sem Partido que quer retirar a obrigatoriedade de algumas disciplinas como Sociologia
e Filosofia do currículo, que está sendo projetada com muito vigor pelo cenário
político atual. Isso vai empobrecer bastante esse material, esse caldo
cultural, esse trazer as diversas perspectivas de vida, as diversas culturas
que é o sui generis do Brasil.
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