quarta-feira, 8 de março de 2017

Os novos caminhos de Odomaria



                                                                               Por Mônica Odilia e Nayra Lima




Odomaria Bandeira é uma figura conhecida no cenário cultural de Juazeiro. Sempre envolvida com movimentos sociais, pesquisa e arte, Odó, como é conhecida, agora parte para novos caminhos, que serão mais um desafio em sua trajetória de vida.

Com um sorriso gentil e uma prévia conversa sobre a última exposição do acervo Maria Franca Pires, a professora do DCH III da UNEB, de 65 anos, nos recebe para contar sobre os seus planos no cenário artístico, depois que se aposentar das atividades docentes na Universidade do Estado da Bahia, onde trabalha há 32 anos se dedicando ao ensino, pesquisa e extensão. A professora deseja se dedicar ao que sempre gostou de fazer, mas que a demanda acadêmica e a pesquisa com o Acervo Maria Franca Pires não lhe permitia.

Odomaria falou do passado, presente e futuro. Sua juventude, a Juazeiro de décadas atrás, suas pesquisas relacionadas à memória, tanto a de Franca Pires quanto a de seu falecido esposo, Euvaldo, o legado enquanto professora e os planos de dar continuidade ao projeto "Essa é pra Tocar na Rádio", espetáculo musical sobre a história da radiofonia em Juazeiro, que estreou em novembro de 2016.



Entre Relatos: Quando se deu o seu envolvimento com o cenário artístico. Você pretende continuar ativa depois que se aposentar?

Odomaria: Meu envolvimento com as artes começou quando era criança. Minha mãe era professora de música e queria que eu tocasse violino, que era o seu instrumento e serviria até como uma espécie de legado. Só que eu tinha sete anos, era muito nova e era uma atividade obrigatória, então não gostava muito. Aprendi algumas coisas, foi bom pra mim, mas aí depois, quando minha mãe percebeu que tinha que brigar e me dar muitas palmadinhas, ela meio que desistiu. Mas assim, fui criando um gosto. Depois, quando já tinha uns 12 anos, meu pai aproveitou a febre de acordeon em Juazeiro e comprou um pra mim. Comecei com muito mais gosto, porque era o instrumento da moda, e o violino já era tido como instrumento de velho. Eu tive acordeon por muito tempo, vendi quando me casei, pois não usava, mas me arrependi bastante. Já na escola eu tinha aula de canto orfeônico, em que cantávamos em francês, português e inglês, dividíamos vozes e, como o pessoal achava que eu cantava bem, em todas as apresentações me chamavam para cantar. Já o teatro foi com a professora Maria Isabel Figueiredo, que era minha professora de inglês e tinha um grupo de teatro. Como eu gostava de chamar atenção, achava o máximo, porque ficava destacada.
Na universidade, me envolvi com o grupo de teatro de Salvador. Durante a ditadura, me apresentei em uma peça chamada Canudos, e teve até polícia na porta, o diretor entrou, suspendeu a peça, foi cada um pra um lado. Depois, conseguimos reapresentar a peça numa área diplomática da Alemanha, onde a polícia não podia interferir. Além disso, eu ia para quase todas as apresentações do Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA), um setor forte dentro da UNE, que faziam salões de arte e festivais. Também criamos a Associação Universitária de Juazeiro, que tinha uma programação de férias em que eu sempre cantava, daí eu ganhei alguns festivais de música, e assim foi.. Quando eu fui fazer o vestibular de história queria fazer teatro, mas meu pai não deixou. Mesmo assim continuei envolvida, tudo que tinha de artístico e de graça em Salvador eu ia. Meu interesse é me aposentar e me dedicar mais ao cenário artístico, até por isso pedi essa licença de seis meses [licença sabática] para me dedicar ao projeto "Essa é pra  tocar no rádio",  para me direcionar a música. Eu acho que interrompi, tirei a música da minha vida, por algum motivo que eu não sei, mas agora acho que as artes podem  me dar uma vida mais tranquila, mais leve, uma qualidade de vida melhor. 

Entre Relatos: De quem foi a iniciativa e como foi a preparação para o projeto "Essa é pra tocar na rádio"? o que mudou depois da sua participação ?

Odomaria: Eu escrevi o projeto pra apresentar e defender a licença sabática. Depois que foi provada a licença, eu fui procurar os aliados, pois sozinha não seria possível, já que a ideia era de fazer um show de voz e violão, porque eu queria fazer um trabalho de criação dentro dessa categoria da licença, nesta linha do projeto experimental.
Então, eu tinha que me aliar com pessoas que tivesse o domínio técnico, então fui ao Serviço Social do Comércio (SESC), que é um lugar de criação, o melhor que conheço por aqui, e apresentei ao diretor o meu projeto, falando que já tinha alguma experiência em palco e ele apostou no meu sonho. Chamou Tom Galiano, que a princípio ficou receoso, pois nunca havia feito musical, mas que gosta de desafios e aceitou. Então, fui passando aos poucos para ele parte da minha pesquisa, músicas, e assim foi se desenhando o show junto com os relatos de algumas pessoas a quem mandei um questionário. No musical, a gente procura construir a história a partir das músicas e com poucas falas. Essas falas foram relatos, citações e textos meus, são quatro relatos no musical.                                                   

Entre Relatos: Como a senhora vê tanto tempo de pesquisa em relação ao acervo e qual a sua importância para a memória cultural e histórica de Juazeiro? Você continuará à frente do projeto?
Não vai ter como continuar a frente do projeto, pois oficialmente não existe esse espaço para o aposentado dentro da universidade, infelizmente. Então eu espero que outro professor assuma e eu vou ficar colaborando, pois acho difícil deixa-lo de lado, pois essa história toda faz parte da minha vida. Muito do que está no acervo eu testemunhei, até porque eu cheguei a conviver com ela na Secretaria de Cultura de Juazeiro e tem um significado afetivo pra mim. São 11 anos de trabalho, conheço todo o material e é muito importante a gente ter esse acervo aqui, porque não existem muitos arquivos públicos nem em Petrolina, nem em Juazeiro, e o acesso das pessoas a eles é impedido, seja pela organização ou qualquer outro motivo, mas é muito complicado você construir uma historiografia no tocante aos documentos escritos, e aqui você tem uma variedade muito grande de documentos históricos sobre essas duas cidades, nesse período em que a modernização chega de uma forma avassaladora nessa região, nos anos 1970 e 1980, com a construção da Barragem de Sobradinho, o início da agricultura irrigada, a demolição de prédios históricos, a mudança da paisagem, que são fatos detonadores de um modo de existência. 

EntreRelatos: Além do acervo Maria Franca Pires, você cuida do acervo de seu falecido marido, Euvaldo Macedo. Como é pra você cuidar e administrar a memória dele?

Odomaria:  Tinha uma admiração muito grande por ele, como poeta e fotógrafo. Sabia do esforço que ele fazia, que repercutia inclusive na vida da gente por  não ser um trabalho fácil. Você ser fotógrafo em uma cidade como Juazeiro, sendo filho de uma família bem tradicional, como era a família do pai dele, um homem trabalhador e comerciante, que queria que o filho caminhasse naquela mesma trilha, e, de repente, o filho disse: “não quero trabalhar com o comércio”. Ele abandonou a faculdade de economia no último  ano, e foi ser fotógrafo,  e, para completar, se casa e tem duas filhas. De repente, ele morreu. Fiquei com tudo que ele produziu,  e eu não sabia o que fazer. Eu sabia o valor do trabalho dele, procurei várias instituições, a Funarte no Rio de Janeiro, o Museu da Imagem e do Som em São Paulo, a Fundação Cultural da Bahia, a Fundação Joaquim Nabuco,  todas essas eu mandei cartas dizendo o que ele tinha deixado, o currículo onde ele tinha exposto. Ele já tinha feito exposição no Castro Alves, no Instituto Cultural Brasil Alemanha, em Salvador. Durante cinco anos, ele produziu intensamente e conseguiu expor uma parte do que fez. Muita coisa ele não chegou a ver, tínhamos os negativos, tudo dentro  das capinhas, que ele mesmo confeccionava. Eu mandei comunicar e oferecer o acervo a todas essas instituições. Todas responderam, dizendo a mesma coisa: a gente tem interesse, mas não tem como abrigar. Depois de um tempo, eu desisti. Pensei: vou ficar com isso. Recentemente, de 2004 pra cá, algumas pessoas daqui mesmo, fotógrafos jovens, pessoas que não o conheceram, começaram a saber  que existia aquilo e se aproximaram. Chico Egídio por exemplo, foi uma pessoa  fundamental nisso,  através do artista plástico Antonio Coelho Assis, o Coelhão, que é meu amigo e que era amigo de Euvaldo, Chico me propôs ver as fotos, e eu tive maior prazer em mostrar, passamos quase dois anos neste trabalho. Desse trabalho e dedicação, desenhamos o projeto e apresentamos primeiro para a Fundação Cultural de Juazeiro – que não existe mais aqui, eles publicaram um edital, nós concorremos e ganhamos. A gente fez uma super seleção, e fomos analisando as fotos pra publicar. Naquele período, foi um trabalho muito bom, a memória de Euvaldo veio com muito força e aparecia em todos os jornais. O trabalho repercutiu e as pessoas começaram a pedir materiais. E daí, foi se difundindo a memória e o acervo de Euvaldo.

EntreRelatos: Que legado a  senhora acredita que deixará para seus alunos e para futuros profissionais ?

Odomaria: Acho que o legado não sou eu quem está deixando. Eu vou deixar como resultado do meu trabalho como professora esse acesso ao Acervo Maria Franca Pires. A gente está com o acervo quase todo digitalizado. Ao longo desses 11 anos, o trabalho foi para organizar esse material e chegar ao ponto de digitalizar tudo, e agora a gente já tem um sistema de catalogação para mandarmos todo esse acervo digitalizado pra rede. Temos contato com especialistas, que deixaram claro a catalogação e as relações com datas, os tipos de material, o tipo de conteúdo. Esse processo de ambientação do sistema na página da UNEB é que está dando trabalho, pois estão ajustando aspectos técnicos. Era pra gente ter lançado durante a exposição, mas não deu muito certo, mas vamos chegar no ponto. Então, não é um legado meu, é um legado da Franca Pires, meu legado foi digitalizar e disponibilizar tudo.



EntreRelatos: Que leitura a  você faz  da Odomaria do começo da carreira e  da Odomaria de hoje?
Odomaria: Pergunta difícil. Fica difícil mesmo fazer essa leitura. O que eu posso dizer de uma forma bem resumida é que tudo que eu vejo hoje se concretizando me toca. Coisas nas quais eu me sinto implicada por ter contribuído de alguma forma, isso dá um certo conforto para gente. Eu imagino como seria triste, numa altura dessas eu olhar pra trás e pensar: “ meu Deus o que foi que ficou, o que foi que eu fiz?” e não sentisse nada que me tocasse. Muitas coisas que aconteceram, eu me sinto implicada nelas. Acho que quando comecei aqui na UNEB foi com muita gente que pensava parecido, digamos. Pensava em fazer um Universidade pública, aberta à população, voltada para as questões  culturais, para a realidade local e, principalmente, fazer uma universidade além daquele modo tradicional das universidades, com aquela sisudez e cara de erudita sem muita repercussão e intervenção. Fomos buscando uma autonomia, que não conquistamos integralmente, mas que tivemos bons resultados. Fomos aos poucos fazendo a diferença, sempre com muita conversa.

Mônica Odilia e Nayra Lima são estudantes de Jornalismo em Multimeios, na UNEB

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