quarta-feira, 10 de maio de 2017

Terreiros: História, cultura e resistência.

Por: Bruno Rosa

O candomblé é uma religião de matriz africana, que chegou ao Brasil através dos negros escravizados. Proibida durante o período colonial, sofreu com as repressões do governo imperialista que estabelecia o cristianismo como religião oficial. Atualmente, os terreiros de candomblé guardam consigo a historia de resistência desses povos, mantendo vivo também a cultura e os costumes ancestrais.

O terreiro Ilê Ase Ayará Onyndacor tem 51 anos de história e fica localizado no bairro do Kidé, em Juazeiro. Fundado pelo já falecido Manoel Rodrigues, que deixou de herança para seus filhos Edson Rosa e Edna Rosa a missão de manter vivo o terreiro de Candomblé.




Na época de fundação do espaço, o Quidé não era considerado bairro. “O espaço que temos hoje, o terreiro Onyndacor foi escolhido pelo caboclo índio José de Alencar. Aqui era só mato, foi preciso muitas pessoas para fazer a limpeza do terreiro, não tinha água nem eletricidade”, explica Edna Rosa. Ainda segundo ela, aos poucos foram aparecendo outras casas e o que era um lugar abandonado começou a ganhar as proporções de bairro.

Ao assumir o terreiro de Candomblé no lugar de seu pai, Edna Rosa queria continuar prestando os serviços à comunidade tal como seu pai fazia, abrindo as portas para acolher os mais necessitados, uma das características da religião. ”Candomblé é acolhimento, as pessoas chegam aqui com fome e com sede e nós damos água e comida para elas. É muito emocionante quando elas contam suas historias de vida e suas dificuldades”.




A religião guarda a cultura das populações africanas, importante na preservação da história e tradição do povo negro. A dança, a culinária, a medicina e a língua são características preservadas principalmente pelos povos de terreiro, além de ser uma religião onde a sabedoria é passada de geração para geração.

Brasão Bloco Filhos de Zaze
Muitas atividades culturais são desenvolvidas no terreiro Ilê Ase Ayará Onyndacor, dentre elas estão o bloco de Afoxé filhos de Zaze, que desfila no carnaval de Juazeiro desde 2011 e carrega o título de primeiro bloco de carnaval afro do município. “É muito importante que as tradições sejam abertas a população em geral, colocar um bloco na rua não é tarefa fácil, mas a cada ano assumimos o compromisso de levar as raízes africanas para as ruas”, esclarece Edna Rosa.

Cada vez mais, o terreiro ganha visibilidade, principalmente dentro do campo acadêmico, fazendo parcerias com a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) e com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) para a produção cultural e trabalhos científicos. “É muito importante a união com as universidades, para que cada vez mais a nossa historia seja registrada. Dentro desse barracão já houveram apresentações de Trabalhos de Conclusão de Curso e artigos, através deles, vamos entrando cada vez mais na historia do Brasil”.

Mas o preconceito com a religião ainda é presente e casos de intolerâncias ainda são registrados. “As pessoas ainda tem a mente muito fechada para o candomblé, se apegando a estereótipos produzidos e reproduzidos, não procurando saber de fato o que é a religião. O candomblé esta sempre com as portas abertas para que qualquer um”,afirma Edna. 

Em suas palestras e falas ela sempre enfatiza a importância de ensinar aos jovens que eles precisam respeitar as diversidades culturais.

Também presente no bairro do Kidé, está o terreiro Ilê Abasy de Oiá Guenã, presidido por Adelaide Santos, conhecida como Mãe Adelaide. Este foi um dos terreiros iniciais na formação do bairro, registrando 54 anos de historia.

Entrada do terreiro Ilê Abasy de Oiá Guenã
Mãe Adelaide construiu seu terreiro no local onde só existia caatinga, na época pegava água no Rio São Francisco. Sua casa já foi de barro, madeira e tijolo, a qual lutou muito para conseguir reunir todo o material necessário, além de cuidar de seus filhos e netos.

Sua irmã foi à primeira da família a iniciar na religião, quando estava sofrendo de uma doença espiritual, e no candomblé achou a sua cura. “Depois que minha irmã fez o santo dela eu ia algumas vezes visita-la no barracão de Mãe Filhinha e quando vi já estava dançando com os outros filhos de santo e não demorou para eu fazer o meu santo também”, explica mãe Adelaide.

Quando se casou, mãe Adelaide junto com seu marido se mudaram para o local onde mora até hoje, ao lado da sua casa construiu o seu terreiro de candomblé. Na época, não existiam casas ao redor, mas as pessoas vinham dos mais diversos lugares para buscar atendimento dos assuntos espirituais.

Com muito trabalho e esforço, levantou e ampliou o seu barracão, sempre trabalhando para acolher as pessoas necessitadas que chegassem a sua porta “Nunca neguei nada às pessoas que vinham pedir minha ajuda, sempre ajudei a todos com muito carinho. Meu barracão esta sempre com as portas abertas para qualquer um que me procurar”, conta mãe Adelaide.

Mas apesar de  todo o seu trabalho duro, mãe Adelaide já foi vítima da intolerância religiosa. O terreiro já sofreu com ataques e todos os seus bens materiais quebrados. Ao todo, foram cinco vezes que seu terreiro sofreu com a intolerância das pessoas. O último ataque aconteceu em julho de 2015 e foi muito devastador. Pedras foram atiradas no telhado do terreiro e também na sua casa, as paredes foram pintadas com cruzes e imagens dos orixás foram destruídas.

Na época do apedrejamento do seu terreiro, Mãe Adelaide se recuperava de um tratamento de câncer. O episódio comoveu muitas pessoas que se comprometeram a ajuda-la na reconstrução espaço. “Na época, muita gente falou que ia me dar telhas, madeira, tijolo, cimento, mas poucas delas de fato me ajudaram. Com muito trabalho duro consegui recuperar boa parte do que foi destruído, mas ainda falta muita coisa a se fazer”.

Após a repercussão do ocorrido, um inquérito policial foi aberto para se investigar os autores desse crime, mas os culpados ainda não foram identificados. Câmeras de vigilância foram instaladas para capturar imagens de novos ataques, mas não houve registros de nenhuma violência contra o seu terreiro depois disso “É muito trise presenciar a destruição de algo que você lutou muito para conseguir levantar, mas com a força de Deus e dos Orixás vou conseguir me recuperar”.


Atualmente o terreiro Ilê Abasy de Oiá Guenã continua atendendo as pessoas que buscam pelas orações de Mãe Adelaide, que continua firme na sua caminhada de luta e resistência junto com o terreiro Ilê Ase Ayará Onyndacor e tantos outros, que tentam mostrar que a cultura das religiões de matriz africana vai permanecer sempre na história 
do país.


Bruno Rosa é estudante de Jornalismo em Multimeios, na UNEB.   

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