domingo, 19 de março de 2017

Dos Babas aos Campeonatos de Várzeas


Por: André Calixto


                                                                                     
O futebol possui raiz nos tradicionais “babas”, realizados em campo de terra batida que se espalham por toda a cidade. Como um ritual sagrado, o prazer e a dedicação pelas peladas e disputas das competições, que ocorrem em quase todos os bairros, dão origem aos disputados campeonatos de várzea. Contudo, nos últimos anos, os campos de várzea têm perdido espaço para a especulação mobiliária. 

O dirigente da Liga Desportiva Maravilha (LDM), Rosoilson da Silva, popularmente conhecido como Doca, recorda que, na década de 1970, os "babas' do bairro Alto da Maravilha eram realizados em um terreno nas proximidades da Lagoa de Calú. Já, em 1980, a prática esportiva passou a ser realizada no campo Adalberto Matos, situado em torno do pátio da feira livre. Neste espaço, foram iniciados os primeiros campeonatos de ruas do bairro, com a participação de times das ruas de número Um ao Oito, incluindo também a rua Baixa, da Travessa do Matatu.

Entre o final da década de 1980 e início dos anos 1990, com a construção dos edifícios residenciais e casas comerciais na área do campo Adalberto Matos, os dirigentes e atletas ocuparam o terreno às margens da BR-235, ao lado da empresa de transportes, para manter a tradição da prática esportiva. O novo espaço foi batizado de Campo da São Luiz. O local tem uma área ampla e a LDM decidiu realizar o campeonato aberto do Alto da Maravilha com a participação de equipes de outros bairros. Dezenas de competições foram realizadas no espaço. A comunidade esportiva temia a qualquer momento ter que desocupar o terreno do Campo da São Luiz, uma vez que o terreno era de propriedade particular, relembra Rosoilson.

André Calixto (foto)
Após 15 anos sediando os campeonatos no terreno, os desportistas sabiam que não iriam usufruir por muito tempo do campo para o futebol. Em 2010, engenheiros civis de posse da documentação do terreno mantiveram uma conversa com os dirigentes da LDM e informaram que o terreno fora vendido para a rede Assaí Atacadista. A empresa demarcou a área, montou o canteiro de obras e instalou uma frente de serviços para erguer o hipermercado. Desde então, a LDM passou a promover, em parceria com a Associação de Moradores, os campeonatos de futebol de areia às terças e quintas-feiras, às 19 horas, no Parque Lagoa de Calú.

Jackson Clésio é comerciante, desportista e, atualmente, é diretor de esportes da Associação de Moradores do bairro Alto do Cruzeiro. Jackson conta que os primeiros “babas” no bairro foram organizados entre o final da década de 1970 e início de 1980, pelo desportista e comentarista esportivo Ivanildo Sá Rêgo. O primeiro campo da Liga Desportiva do Alto do Cruzeiro (LDAC) era situado entre os bairros Alto do Alencar e Alto do Cruzeiro e o espaço era conhecido como Campo da Rocinha.

O diretor de esportes enfatiza que mais de 20 campeonatos abertos foram realizados pela LDAC, envolvendo outros bairros, como também vários campeonatos entre ruas, que envolviam os moradores.
André Calixto (foto)
Em 2001, surgiram comentários que o terreno do Campo da Rocinha pertencia à Diocese de Juazeiro. Dias após esses burburinhos, houve uma ocupação da área por pessoas que não possuíam moradias. Com piquetes, arames e construindo alicerces, cada pessoa foi marcando o seu espaço para erguer a sua casa. Então, os desportistas decidiram ocupar terreno de propriedade particular. Mas o proprietário tinha planos de lotear a área para destinar à moradia. Desde 2011, o bairro Alto do Cruzeiro não tem um campo. As casas construídas compõem hoje os bairros Monte Castelo e Monte Serrat.


"Triste e lamentável, ter que vivenciar essa dura realidade das perdas dos campos de futebol de chão batido". desabafa Samuel Alves, atleta e dirigente do bairro Lomanto Junior. 


Ele recorda que, na década de 70, o primeiro campo do bairro, foi as margens do canal da vergonha, atual sistema de canal coberto no Lomanto Júnior. Do outro lado do canal, o campo denominado “Arcanjão”, pertencia ao bairro Novo Encontro. Porém devido a expansão de construções de residências, o campo denominado "Arcanjão foi desativado. O bairro Lomanto Junior também teve que desocupar a área que utilizava como campo. O terreno era de propriedade particular e o seu proprietário loteou e comercializou os terrenos que lhe pertenciam, denominando o lugar como Loteamento Eldorado.

Em 1992, após a perda do seu primeiro campo, a iniciativa que os amantes de futebol do bairro Lomanto Junior tiveram foi ocupar o terreno em frente ao bairro, o campo passou a ser chamado de “Bezerrão”, uma justa homenagem ao morador e dirigente da Liga do Lomanto Junior, Irineu Bezerra. Entretanto, o primeiro campeonato foi realizado em 1994, e o time do Lomanto Junior disputou a final do campeonato com a equipe do Volta Redonda, oriunda do bairro Novo Encontro. A partida terminou empatada em 0 X 0, como o Volta Redonda possuía saldo de dois gols, a equipe sagrou-se campeã do primeiro campeonato realizado no “Campo do Bezerrão”.

André Calixto (foto)
Já em 1998, devido à construção do Banco de Sangue, o campo foi para o terreno onde, por vários anos, a Associação de Moradores promoveu as conhecidas barraquinhas de São João. Como o terreno era de propriedade particular, o proprietário passou a ocupar o espaço, forçando os dirigentes e atletas a saírem do local. Desde 2004, o bairro Lomanto Junior não realiza os seus tradicionais campeonatos.

Outra praça esportiva da cidade é o “Campo do Palmeiras” situado no bairro Piranga. O professor de educação física, Marcos Paulo, lembra que os primeiros “babas” aconteceram na Praça Santa Terezinha, só que o prefeito da época desapropriou a área para construção da referida praça na comunidade. Desde então, os adeptos do futebol de campo de chão batido, ocuparam o terreno por trás do Colégio Jutahy Magalhães. A Liga Desportiva de Piranga foi fundada em 1972, só que antes já existiam os babas, amistosos e treinos do Palmeiras que representava o bairro. Ele destaca que a maioria dos atletas atuava em vários times de futebol amador em partidas que eram realizadas no Estádio Adauto Moraes.

Após a fundação da liga, o presidente Miguel Aguiar e diretoria deram o ponta pé inicial dos primeiros campeonatos da Liga de Piranga. Por 26 anos ininterruptos, os dirigentes, como Jeová, Vandão, Mouze, Edgar, Paulo Pereira (Binho), procuraram fortalecer a Liga, bem como trabalhavam no sentido de a cada ano realizar um campeonato melhor que o outro. O exemplo de respeito e união entre os dirigentes da Liga de Piranga motivou outras agremiações da cidade a terem garra e um comportamento exemplar nos diversos campeonatos de campo de várzea do nosso município.

No ano seguinte, Pelelé e Jeová decidiram realizar um campeonato de veteranos, depois realizaram por mais dois anos e, em seguida, eles deixaram de organizar o campeonato. Entre sete a oito anos, a Liga de Piranga não realizou o seu tradicional campeonato, e, em 2008, Marcos Paulo, filho do ex-dirigente (Binho) assumiu a liga Desportiva do bairro e realizou seis campeonatos no Campo do Palmeiras. Como ocorrido em outros campos aqui citados, em 2014 apareceu o dono do terreno que a Liga de Piranga utilizou aproximadamente por 50 anos. A área foi loteada e o proprietário tem comercializado os terrenos para construção de residências.
André Calixto (foto)

Os dirigentes esportistas afirmam que têm lutado para não perder os campos de chão batido da cidade. Em alguns casos, o poder público municipal se comprometeu com as Ligas Desportivas a recuperar áreas para a prática esportiva. Na prática, as ações foram tímidas e os dirigentes foram se desiludindo. A comunidade recolheu assinaturas e encaminhou abaixo-assinados para realizar seção especial na Câmara Municipal para tratar o assunto, mas não houve solução para o problema da perda dos espaços.

Hoje, em Juazeiro, apenas a Liga 1° de Maio do bairro Santo Antônio, possui o seu próprio campo. O espaço conhecido como Lagoa do Vitorino foi desapropriado em 1990 pelo município e doado aos desportistas. Ao longo dos anos, o uso do campo é compartilhado com outras agremiações esportivas da cidade. Os babas também não enfrentam a especulação mobiliária. Atualmente, têm crescido as arenas desportivas, espaços privados onde atletas amadores pagam o espaço para jogar futebol entre amigos.  

André Calixto é estudante de Jornalismo em Multimeios.

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