domingo, 26 de março de 2017

Fé e luta de uma comunidade quilombola

Juliano Ferreira


Todos os anos moradores da comunidade de Barrinha da Conceição em Juazeiro se reúnem na capela para festejar a padroeira Nossa Senhora da Conceição. Entoando cânticos, acompanhado de um tambor, guitarra e ao som de fogos, a imagem da santa percorre a casa de todos os moradores todo 8 de dezembro, dia de culminância do novenário que inicia em 29 de novembro.

A moradora mais velha da comunidade, Roberta Maria dos Santos Oliveira, conta que o aldeamento do espaço começou a partir da vinda de seus antepassados de Canudos (BA) para Juazeiro. Eles fugiam da guerra que assolava a localidade, que durou de 1896 a 1897. A imagem de Nossa Senhora da Conceição foi conservada na casa da avó de Roberta, em sua casa de barro, onde realizava novenas em homenagem a santa. “Ela enfeitava a casa com correntes. Antes não tinha festa, mas as novenas”.

Roberta Maria, moradora de Barrinha da Conceição.
Foto: Adeilton Júnior/Quilombos e Sertões

O sincretismo religioso está muito presente na comunidade. Roberta lembra que havia a cultura de culto ao caboclo, nas proximidades da aldeia, mais especificamente na Ilha do Rodeador. Com pesar, ela diz que esse tipo de celebração “se acabou”, mas ainda se recorda de rituais como a chegada do caboclo “Juremeira”. Apesar do apagamento da tradição, a matriarca lembra de algumas cantigas daquele período:  

“Eu atirei, eu atirei e ninguém viu. 
Eu atirei, eu atirei e ninguém viu,
Seu Sete Flechas é quem sabe aonde a flecha caiu, 
Seu Sete Flechas é quem sabe aonde a flecha caiu”.

Hoje, a comunidade tem uma capela própria para a padroeira Nossa Senhora da Conceição. Apesar de se dizer um grupo essencialmente católico, os moradores recordam a existência de um terreiro de candomblé na aldeia. Alguns frequentaram as festas organizadas pelo pai Arlindo, já falecido.

Aos 26 anos, Larissa dos Santos Oliveira é a vice-presidente da Associação de Vizinhança de Barrinha da Conceição. Neta de Roberta, ela luta pelo reconhecimento da própria comunidade enquanto quilombola. O grupo tem aproximadamente 60 pessoas e não aceita pessoas que não  pertencem a comunidade. Os mais jovens têm dificuldade em admitir ser remanescente de quilombo, pois associam o fato ao preconceito racial.

Há algum tempo, a comunidade deixou de cultivar a terra e produzir o plantio. Hoje, a maioria da população trabalha na zona urbana de Juazeiro. Larissa explica que um dos ganhos da associação foi que o ônibus chegasse até a aldeia em horários regulares, transportando os moradores às 6h30, 12h e 17h, o que facilitou principalmente o acesso das crianças a escola, além do retorno dos trabalhadores. 

Na aldeia, não há uma escola para as crianças, tão pouco um posto de saúde próximo. Outro problema é a falta de saneamento básico. A associação pensa em implantar a agricultura familiar, construindo uma horta coletiva para os moradores, favorecendo a oportunidade de emprego e a alimentação. No entanto, não há irrigação, pois apesar da proximidade com o rio, eles não possuem um sistema para levar água às suas terras de plantio.

Quilombo

Orlando dos Santos Barros, natural de Salvador, chegou à Barrinha da Conceição para ajudar na construção do centro comunitário em meados de 2009. Casou-se com uma das netas de Dona Roberta, teve um filho e trabalha como supervisor de iluminação pública na Prefeitura de Juazeiro. Quando passou a morar em Barrinha, foi escolhido para ser o presidente Associação Comunitária dos Lavradores e Quilombolas de Barrinha da Conceição conhecida pelo nome fantasia de “Nossa Gente Quilombola”.

Após assumir o cargo de presidente, tomou conhecimento de que já existiam outras comunidades remanescentes de quilombo como Rodeador, Curral Novo, Quipá, Alagadiço, Passagem, Capim de Raiz, Angico, Deus Dará, Junco, Pau Preto e Barrinha do Cambão.

Assim como a história do surgimento da comunidade, no qual os antepassados, negros, estavam fugindo da guerra de Canudos. Barros destaca que a maioria das comunidades quilombolas não se reconhece como tal. Segundo ele, os moradores têm uma visão deturpada do ser remanescente de quilombo. E quando se afirmam o fazem inconscientemente, pois não sabem o que significa ser povo de quilombo. Orlando alerta ainda, que as manifestações culturais existentes na comunidade como o Samba de Veio e o terreiro de caboclo se perderam ao longo dos anos. As manifestações que não foram extintos passam por um processo de enfraquecimento como o rosário, feito em homenagem a Nossa Senhora da Conceição.

Diante de todos esses relatos é perceptível a falta de políticas públicas que abarquem e facilitem a permanência da tradição de comunidades remanescentes de quilombo como em Barrinha da Conceição. Apesar de ainda conservarem certa tradição, como a festa da padroeira do local, muito da cultura relembrada pela matriarca Roberta se perdeu com o tempo. Até mesmo a história da aldeia se vê na eminência de ser esquecida, já que é apenas a idosa que sabe narrar a história do seu povo.

                                                                      Juliano Ferreira é estudante de Jornalismo em Multimeios

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