sábado, 25 de março de 2017

Caleidoscópica


Foto: Arquivo Pessoal
Por Victória Resende

Lizandra Martins parece ser feita inteirinha de retalhos. De fragmentos da infância pelas ruas da Petrolina Antiga, das orações sussurradas por sua mãe quase rompendo o silêncio adormecido da casa, das canções de Jorge Ben bailando no toca-discos. Caleidoscópica, carrega consigo muitas cores. As cores das ruas de Ouro Preto, seu sonho de menina, e as cores da efervescente Avenida Paulista. Petrolinense, ribeirinha, sertaneja. Parece não caber nos seus 23 anos, então transborda. Através da arte, seu dicionário sobre este mundo que, às vezes, parece um emaranhado complicado demais de se compreender.


Os quartos da casa
Guardavam ventos
Cheios de silêncio
Nossas almas
Guardavam gritos
De dias
Inquietos
Nosso amor
Meu e de mainha
Guardavam a gente
Com canções e sopas
Ao anoitecer.

Ao ser questionada sobre a sua relação com a fotografia, sorri. Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, certa vez escreveu que recordar é voltar a passar pelo coração. Conta que, quando criança, costumava brincar de registrar momentos com a câmera analógica da sua mãe, Dona Ilza. Mas somente alguns anos mais tarde tomaria gosto pela arte que hoje carrega como profissão.

Saía pela cidade em pequenas expedições fotográficas. Escrevia Petrolina com luz. Utilizava o equipamento dos amigos para fazer os registros. Até que decidiu adquirir a própria câmera compacta, que perdeu em seguida. E embora a definisse como “simples e bastante precária”, foi essencial para que se interessasse ainda mais pelo estudo e prática da fotografia.

Confessa que olhar através das lentes lhe permitiu o reencontro com algo muito precioso: suas raízes. Relembra dois momentos especiais neste processo: o primeiro, é o ensaio “Mãos Sertanejas”, que iniciou na Oficina do Artesão Mestre Quincas, em 2012. “Agora eu vou lá e às vezes nem levo a câmera”. Chega, reencontra os amigos artesãos, prepara um café, escuta suas histórias. Se apaixonou pelo local. 


“Me identifiquei com o trabalho dos artesãos, 
com o que eles retratam. Comecei a criar um laço afetivo 
maior com a minha região”.


O segundo momento foi a Exposição Travessia, lançada em abril de 2015. Em 2014, Lizandra começou a registrar com o smartphone o percurso que fazia nas barquinhas que ligam Petrolina e Juazeiro. Utilizava as pequenas embarcações diariamente para ir e voltar da universidade, onde cursava Pedagogia. A ideia era somente publicar as fotos nas suas redes sociais. Sua Travessia surgiu despretensiosa, através de uma sugestão de Chico Egídio, seu companheiro e curador da exposição que reúne 30 fotografias.

Foto: Lizandra Martins
Exposição Travessia 


Além da fotografia, tem outra paixão: a literatura. Seu semblante se ilumina quando fala dos autores prediletos. Cita Ana Cristina Cesar, Caio Fernando Abreu, Hilda Hilst, Euvaldo Macedo Filho. É como se abrisse as janelas dos cômodos da memória e ventilasse poesia. Tem um carinho especial por Euvaldo: juazeirense, fotógrafo e poeta. Uma das suas inspirações no ofício que realiza com tanto amor.  

Lizandra também mantém o hábito de escrever e suas palavras possuem uma particularidade: “escrevo aquilo que não consigo registrar com a câmera”. 


Pegava seu cigarro de palha
Ficava horas
Reparando as águas
Os meninos alegres
Que se aproximavam
Com a barriga cheinha
De sonhos
Em meio ao cheiro de peixe fresco, ventos e calor


A poesia de Lizandra tem qualquer coisa de filme todos os sábados às 18h ou “Samba de Orly” tocando repetidamente. E por falar em Chico Buarque, a sua arte paira como se fosse “feita de luz mais que de vento”.

Victória Rezende é estudante de Jornalismo em Multimeios, matéria produzida em dezembro de 2016 e atualizada em 25 de março de 2017.

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