quarta-feira, 15 de março de 2017

Precarização da mão de obra terceirizada

Por Cássio Felipe e Victória Resende



Lucinéia Diogo Oliveira dedicava seu tempo a fazer “bicos” enquanto cuidava da casa e dos filhos pequenos. Há 14 anos precisou estender sua jornada de trabalho e hoje trabalho como terceirizada no serviço de limpeza da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). 





Durante este período, vivenciou sucessivas transferências de empresas – cinco, até onde consegue lembrar. Com a voz e o olhar de quem rememora um período nebuloso, relata ironicamente que a empresa do primeiro ciclo de contratações lhe deu muito “trabalho”. O salário, assim como a ajuda de custo para o transporte, atrasou quase um semestre. “Até hoje a gente ainda ‘tá’ com essa empresa na justiça, sem receber”. Faz dez anos. Mesmo diante dessa situação de total insegurança, sentia-se coagida por todos os lados: pela empresa que contratara o serviço terceirizado e pela necessidade de trabalhar.

Para começar o expediente pontualmente, Lu, como é carinhosamente chamada pelos colegas de trabalho, acorda com o dia ainda escuro, faz um café e se prepara para mais uma jornada: a limpeza de dois pisos do prédio administrativo. Varre, lava, passa o pano, tira o lixo, espana. Também é ela que prepara o cafezinho e cuida da copa, quase um ponto de encontro para alguns funcionários da instituição. Almoça ali mesmo, no local de trabalho, porque seria necessário pegar quatro conduções para se deslocar: duas para ir e duas para voltar. O descanso após a refeição, tão precioso para alguns, não existe na sua rotina: no velho acolchoado disposto na cozinha, seu sono é sempre interrompido por alguém que sobe ou desce as escadas ou para na janela da copa para comprar trufas – o dinheiro que recebe com a venda dos bombons é utilizado para comprar algum lanche durante expediente ou completar o valor das passagens de ônibus.

Lucinéia faz parte da estatística de 26,8% do mercado de trabalho terceirizado do Brasil, totalizando 12,7% de assalariados. Os dados, entretanto, são subestimados. Segundo a Central Única dos Trabalhadores (CUT) parte considerável dos trabalhadores terceirizados atua de maneira informal. Caso a estimativa contemplasse esse segmento, os números sobre as condições de trabalho da categoria seriam ainda mais alarmantes.

A mão de obra terceirizada sofre processos de precarização. Além de trabalharem cerca de três horas a mais, os terceirizados recebem em média 24% a menos do que os funcionários diretos de uma empresa, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Diesse). “A gente não tem um salário bom, eles nunca têm uma data determinada para nos pagar. Outra coisa é que a gente nunca paga as contas em dia porque o dinheiro atrasa. Se a gente vai reclamar, dizem que terceirizado é assim mesmo, e aí a gente tem que se conformar”, conta Lu, em meio às tarefas do primeiro turno.

Situada às margens do Rio São Francisco está a cidade de Juazeiro, na Bahia, considerada terceiro lugar em geração de empregos no primeiro semestre de 2016 ficando atrás apenas de Franca (SP) e Cristalina (GO), segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O número de contratações no município está ligado, sobretudo, ao ramo da construção civil, setor que tipicamente terceiriza a mão de obra.

Especialistas defendem, entretanto, que a terceirização não gera empregos. A empresa terceirada gera precarização do serviço com jornadas maiores que acabam por reduzir o número de postos de trabalho. “A jornada de trabalho é extremamente intensa quando a gente compara àquela do trabalhador direto. A empresa produz mais? Sim. Mas produz porque os trabalhadores terceirizados têm uma carga horária exaustiva”, afirma o sociólogo Fernando Souto.

Além disso, segundo Fernando, a rotatividade de funcionários – comum quando se trata desse assunto – raramente permite que o trabalhador se estabeleça na empresa, já que é substituído num curto intervalo de tempo. Outro ponto a ser considerado em relação a esse rodízio constante é a dificuldade dos terceirizados se organizarem em sindicatos: ora porque, ao serem demitidos dos seus cargos, não mais se reconhecem enquanto trabalhadores terceiros; ora porque o trabalho terceirizado permite diferentes representações como serviços gerais, vigilância, construção civil, entre outros, fragmentando assim a ação coletiva.



José Lima é terceirizado há dezenove anos e trabalha como vigilante da Universidade Federal do Vale do São Fransicisco (UNIVASF) há doze. Relata que durante esse período, passou por cinco empresas diferentes, sendo que cada uma pode permanecer até cinco anos. Para ele, a maior dificuldade em ser terceirizado é a falta de estabilidade no emprego, apesar do sindicato de vigilantes exigir a manutenção do quadro de funcionários na substituição de uma empresa por outra. Diferente da situação de Lucinéia, que até hoje luta na justiça com uma das empresas que não efetuou seu pagamento, José diz que nunca teve esse tipo de problema, uma vez que a Universidade garante aos terceirizados um ressarcimento, caso a empresa atrase ou surpreendente entre em colapso.

Luciano Campos trabalha como motorista há quatro anos na UNIVASF e é sindicalizado no SINDFRETUR e concorda que um dos problemas no mercado de trabalho e a ausência de estabilidade. “Para terceirizado não tem conversa. Tudo é caso de substituição e aí a gente fica sem perspectiva”.


A face invisível da terceirização


Juazeiro possui em média 3 mil funcionários terceirizados, segundo o Sindicato dos Trabalhadores de Limpeza Intermunicipal (SINDILIMP). Os terceirizados estão por toda a parte: na limpeza urbana, nos órgãos públicos, nos setores privados. Mas a discriminação que sofrem não cabe nas estatísticas. Além das dificuldades nas empresas contratantes e terceirizadas, esses trabalhadores ainda enfrentam os problemas internos dos seus locais de trabalho. Para Lucinéia, um deles é a falta de comunicação e a discriminação.

No dossiê “Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha”, publicado pela CUT em 2015, as causas da discriminação estão relacionadas à distinção entre trabalhadores diretos e terceiros em relação às desigualdades de salário, jornadas de trabalho e qualificação. “Temos que aguentar o preconceito que parte de outros colegas que não são terceirizados e de alguns alunos, mas a gente é tão funcionário quanto os outros do quadro. Às vezes, a gente vai questionar alguma coisa e eles dizem que temos que acatar tudo porque estamos aqui para isso mesmo. A gente sempre está rastejando. Como precisamos do emprego, temos que nos submeter a isso”, relata Lucinéia.

Ainda segundo o dossiê, a terceirização afeta a subjetividade e a perspectiva de tempo dos trabalhadores. A rotatividade dos funcionários injeta um sentimento de fragmentação, que gera uma falta de pertencimento ao local de trabalho e o tempo ganha uma conotação de areia para os terceirizados, uma vez que eles não conseguem construir uma narrativa de seus percursos profissionais. Logo, a lógica que a terceirização propõe deixa de ser uma prática da cidadania e da autonomia para se tornar um pretexto da manutenção dos poucos que detêm o poder.

Lucinéia trabalha num lugar que aglutina tanto conhecimento, gera tantas discussões acerca do mundo e das relações sociais. Apesar disso, é um lugar que é repleto de pessoas que têm dificuldade em enxergar o outro. Por isso, sabiamente, Lucinéia afirma: “a educação começa através do respeito por cada um”.



Por Cássio Felipe e Victória Resende são estudantes de Jornalismo em Multimeios




Matéria realizada em novembro de 2016 e publicada em 15 de março de 2017





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