sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

A mãe de todos

Por Luana Dias
- Oi, minha gente, boa tarde!

É dessa forma que Dona Raimunda cumprimenta as pessoas que vão visitar a Casa Lar Maria de Nazaré. Mesmo chegando sem avisar, ainda na calçada, sou recebida com o sorriso de Dona Raimunda na janelinha do portão.


Assim que entro, logo vejo as crianças em mutirão ajudando na faxina do ambiente. Uns varriam a casa, outros colocavam os brinquedos no lugar, enquanto outros sujavam e bagunçavam ainda mais.

Aos 68 anos, cabelos brancos e com um sorriso no rosto, Dona Raimunda está sempre rodeada de crianças. A senhora foi quem criou, meio sem-querer-mas-querendo-muito, a Casa Lar Maria de Nazaré, um abrigo para crianças que não têm onde morar ou que têm uma vida difícil demais para seres humanos tão pequenos e inexperientes.

Dona Raimunda sempre teve a vontade de criar uma creche e fez muito mais. Tudo começou porque sua mãe ficou viúva muito cedo e teve que criar seus filhos pequenos sozinha, o que deixou Dona Raimunda pensando em ajudar as mães carentes.  Foi com essa ideia que ela começou a ajudar as crianças de rua e as que a família não tinha condições de cuidar. Acolheu em sua própria casa, com a ajuda do marido Jesuílson, falecido em 2010.

- Eu procuro ajudar no que posso as mães. Gente que cata reciclagem, que vive andando de carroça catando lixo. Às vezes passam até tarde com a carroça véa cheia de lixo e os bichinhos já estão dormindo. Aí eu digo: ‘deixa eles dormindo aqui’.

Apesar de ter passado por períodos de dificuldade, a senhora persistiu e faz o que sempre quis fazer. No início, a casa era pequena e de cerca. Hoje, tem espaço grande o bastante para que as crianças brinquem à vontade. O bairro também quase não existia antigamente. Não tinha água nem energia, e, por causa da Casa Lar Maria de Nazaré, começaram a providenciar algumas coisas.

- O povo do bairro diz: 'o bairro só foi feito por causa de Dona Raimunda e dessa creche’.

Todo o bairro conhece Dona Raimunda e suas crianças, e ajudam da forma que podem. Vizinhos, amigos e grupos sociais sempre ajudam com alguma coisa: brinquedos, material higiênico e escolar, alimentos e vestimentas. A Casa já foi reformada algumas vezes, com o auxílio da TV São Francisco e da Pepsico.

Com aproximadamente 11 anos, um dos meninos do Lar comentou:

- As pessoas vivem trazendo presente. Dessa vez sabe o que eu pedi? Uma piscina.  

Dona Raimunda começou a rir e disse que ele quer a piscina só para ele, não vai dividir com ninguém.

Apesar de o Lar ter sido registrado apenas em 1991, já existia muito antes. As primeiras crianças têm hoje entre 31 e 32 anos, são casados e continuam mantendo contato com Dona Raimunda, que é chamada de “mainha” por eles.

A senhora conta que a educação dos meninos é o mais importante.

- Todos estudam. Aqui todo mundo passou de ano, tudo com nota boa. Até Léo.

O menino Léo, que ouvia a conversa deitado na mesa, deu um sorriso sapeca. Ele e suas irmãs, Andressa e Vitória, perderam a mãe, e o pai não pode cuidar deles, pois é cego. Os irmãos são a prova de que o Lar faz muito bem a eles. Apesar do trauma de viver sem os pais, todos são muito animados e carinhosos.

Uma das coisas que mais chamam atenção na Casa Lar Maria de Nazaré é o carinho que todas as crianças demonstram com qualquer pessoa que apareça por lá. Em alguns minutos, todas já estão abraçando, brincando e distribuindo beijos em quem quer que esteja visitando.



Atualmente, a Casa tem 10 crianças fixas, porém, diariamente, Dona Raimunda recebe algumas outras quando os pais vão trabalhar ou passar algum tempo fora.

- Às vezes as mães dizem ‘Dona Raimunda, sem nenhuma condição. sem moradia, sem nada. Deixe meu filho aqui, que quando eu melhorar, venho buscar.

Ao ver alguns meninos passando de bicicleta enquanto conversávamos, Dona Raimunda apontou para um deles e falou:

- A mãe daquele ali falou que vinha buscar ele, ele se animou tanto. Arrumei a bolsinha dele, a sandalinha, e a mãe nem veio. Olha que decepção.

O menino era cheio de esperança. Enquanto esperava a mãe, repetia que ela deveria estar arrumando a casa, por isso não tinha chegado ainda.

Há crianças que chegam maltratadas fisicamente ou psicologicamente, pelos pais ou pelas pessoas da rua. Eles não têm nenhum tipo de acompanhamento psicológico, e a senhora não quer pedir para o governo, pois demoram muito para fazer as coisas acontecerem. Para Dona Raimunda, o acompanhamento seria de extrema importância, pois alguns deles têm histórias muito difíceis, mesmo com a pouca idade. Outros precisam lidar com o abandono dos pais, pois alguns realmente não querem mais cuidar da criança. Elas encontram apoio apenas em Dona Raimunda.

Depois de brincar um pouco com as crianças, quando fui me despedir, a senhora falou: “Venha brincar com eles aqui esses dias porque eles vão entrar de férias e isso aqui vai cheio o dia todo”, disse, com uma gargalhada, toda feliz.

As crianças se despediram com um abraço e ficaram na calçada esperando até que eu desaparecesse da rua.


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