Por Luana Dias
- Oi, minha gente,
boa tarde!
É dessa forma que Dona
Raimunda cumprimenta as pessoas que vão visitar a Casa Lar Maria de Nazaré. Mesmo
chegando sem avisar, ainda na calçada, sou recebida com o sorriso de Dona Raimunda
na janelinha do portão.
Assim que entro, logo vejo as crianças
em mutirão ajudando na faxina do ambiente. Uns varriam a casa, outros colocavam os
brinquedos no lugar, enquanto outros sujavam e bagunçavam ainda mais.
Aos 68 anos, cabelos brancos e com um
sorriso no rosto, Dona Raimunda está sempre rodeada de crianças. A senhora foi
quem criou, meio sem-querer-mas-querendo-muito, a Casa Lar Maria de Nazaré, um
abrigo para crianças que não têm onde morar ou que têm uma vida difícil demais
para seres humanos tão pequenos e inexperientes.
Dona Raimunda sempre teve a vontade de
criar uma creche e fez muito mais. Tudo começou porque sua mãe ficou
viúva muito cedo e teve que criar seus filhos pequenos sozinha, o que deixou
Dona Raimunda pensando em ajudar as mães carentes. Foi com essa ideia que
ela começou a ajudar as crianças de rua e as que a família não tinha condições de
cuidar. Acolheu em sua própria casa, com a ajuda do marido Jesuílson,
falecido em 2010.
- Eu procuro ajudar no que posso as
mães. Gente que cata reciclagem, que vive andando de carroça catando lixo. Às
vezes passam até tarde com a carroça véa cheia de lixo e os bichinhos já estão dormindo. Aí eu digo: ‘deixa eles dormindo aqui’.
Apesar de ter passado por períodos de
dificuldade, a senhora persistiu e faz o que sempre quis fazer. No
início, a casa era pequena e de cerca. Hoje, tem espaço grande o bastante para
que as crianças brinquem à vontade. O bairro também quase não existia
antigamente. Não tinha água nem energia, e, por causa da Casa Lar Maria de
Nazaré, começaram a providenciar algumas coisas.
- O povo do bairro diz: 'o bairro
só foi feito por causa de Dona Raimunda e dessa creche’.
Todo o bairro conhece Dona Raimunda e
suas crianças, e ajudam da forma que podem. Vizinhos, amigos e grupos sociais sempre
ajudam com alguma coisa: brinquedos, material higiênico e escolar, alimentos e
vestimentas. A Casa já foi reformada algumas vezes, com o auxílio da TV São
Francisco e da Pepsico.
Com aproximadamente 11 anos, um dos
meninos do Lar comentou:
- As pessoas vivem trazendo presente.
Dessa vez sabe o que eu pedi? Uma piscina.
Dona Raimunda começou a rir e disse que
ele quer a piscina só para ele, não vai dividir com ninguém.
Apesar de o Lar ter sido registrado
apenas em 1991, já existia muito antes. As primeiras crianças têm hoje entre 31
e 32 anos, são casados e continuam mantendo contato com Dona Raimunda, que é
chamada de “mainha” por eles.
A senhora
conta que a educação dos meninos é o mais importante.
- Todos
estudam. Aqui todo mundo passou de ano, tudo com nota boa. Até Léo.
O menino Léo, que ouvia a conversa
deitado na mesa, deu um sorriso sapeca. Ele e suas irmãs, Andressa e Vitória,
perderam a mãe, e o pai não pode cuidar deles, pois é cego. Os irmãos são a
prova de que o Lar faz muito bem a eles. Apesar do trauma de viver sem os pais,
todos são muito animados e carinhosos.
Uma das coisas que mais chamam atenção
na Casa Lar Maria de Nazaré é o carinho que todas as crianças demonstram com
qualquer pessoa que apareça por lá. Em alguns minutos, todas já estão
abraçando, brincando e distribuindo beijos em quem quer que esteja visitando.
Atualmente, a Casa tem 10 crianças
fixas, porém, diariamente, Dona Raimunda recebe algumas outras quando os pais
vão trabalhar ou passar algum tempo fora.
- Às vezes as mães dizem ‘Dona
Raimunda, tô sem nenhuma condição. Tô sem moradia, tô sem
nada. Deixe meu filho aqui, que quando eu melhorar, venho buscar.
Ao ver alguns meninos passando de
bicicleta enquanto conversávamos, Dona Raimunda apontou para um deles e falou:
- A mãe daquele ali falou que vinha
buscar ele, ele se animou tanto. Arrumei a bolsinha dele, a sandalinha, e a mãe
nem veio. Olha que decepção.
O menino era cheio de esperança.
Enquanto esperava a mãe, repetia que ela deveria estar arrumando a casa, por
isso não tinha chegado ainda.
Há crianças que chegam maltratadas
fisicamente ou psicologicamente, pelos pais ou pelas pessoas da rua. Eles não
têm nenhum tipo de acompanhamento psicológico, e a senhora não quer pedir para
o governo, pois demoram muito para fazer as coisas acontecerem. Para Dona
Raimunda, o acompanhamento seria de extrema importância, pois alguns deles têm
histórias muito difíceis, mesmo com a pouca idade. Outros precisam lidar com o
abandono dos pais, pois alguns realmente não querem mais cuidar da criança.
Elas encontram apoio apenas em Dona Raimunda.
Depois de brincar um pouco com as
crianças, quando fui me despedir, a senhora falou: “Venha brincar com eles aqui
esses dias porque eles vão entrar de férias e isso aqui vai tá cheio o dia
todo”, disse, com uma gargalhada, toda feliz.
As crianças se despediram com um abraço
e ficaram na calçada esperando até que eu desaparecesse da rua.
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