segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
Adoção: um ato de amor
Ângela
Monteclaro e Esther Santana
Juiz José Carlos Rodrigues Nascimento [Foto: Ângela Monteclaro]
O
acolhimento de crianças como filhos biológicos pode ser considerado como um dos
mais importantes gestos de amor e generosidade. No Brasil, esse processo ainda
gera dúvidas, pois desde a história legal da adoção, datada aqui no século XX,
o estatuto da criança e do adolescente sofreu várias alterações, sendo a mais
considerável delas, a adoção realizada por casais homo afetivos. Foi no Código
Civil de 1916 que a adoção ganhou as primeiras regras formais no país, mas era
extremamente limitado. A adoção só era permitida por casais acima de 50 anos e que não possuíam filhos legítimos.
Hoje,
para se habilitar a adoção, a idade mínima é de 18 anos, e o estado civil não
interfere no processo, basta apenas que haja a diferença de 16 anos entre quem
deseja adotar e a criança a ser acolhida. Para entender a política nacional de
adoção, como os trâmites burocráticos e o sistema de apadrinhamento, o blog Entre Relatos entrevistou o Juiz José Carlos Rodrigues Nascimento, da Vara da Infância e Juventude do
município de Juazeiro.
Entre Relatos: Qual
o perfil da criança que está apta para ser adotada aqui em Juazeiro?
José
Carlos: Normalmente são crianças sem situação de risco, que são abandonadas
pelos pais, que estão abrigadas. Evidentemente, o primeiro passo é colocar
essas crianças na família substituta e não havendo essa possibilidade, essas
crianças são colocadas para adoção com a inscrição no cadastro nacional de
adoção.
Entre Relatos:
Em Juazeiro, as famílias têm procurado um perfil específico de crianças?
José
Carlos: Não tem um perfil específico. Mas a preferência ainda é na terna idade.
Também há casais que têm procurado crianças para adotar com a faixa de idade um
pouco mais elevada, de seis a oito anos.
Entre Relatos:
Qual a importância do acompanhamento psicossocial para adoção dessas crianças? É
um fator que evita problemas futuros entre a criança e a família que pretende
adotar?
José
Carlos: É fundamental. Nós estamos pretendendo inclusive (daqui a alguns dias)
ministrar um curso para os casais que desejam realmente adotar. A preocupação
maior é que esses casais, que efetivamente desejam adotar, tenham plena
consciência de que é um ato de amor, irreversível inclusive.
Entre Relatos:
Algumas famílias se queixam do processo demorado, existe a possibilidade de torná-lo
mais rápido?
José
Carlos: Procuramos, na medida do
possível, agilizar todos os processos de adoção. Evidentemente, a demora é
proveniente do rito processual a ser implementado. A adoção requer uma
estrutura psicossocial, terá que ser feita uma análise bem aprofundada do
casal. É um conjunto de fatores que, às vezes, retarda um pouco o encerramento
de um processo, mas nada que desestimule o casal pretendente a adoção.
Entre Relatos: Onde
as crianças aguardam antes do processo ser concluído?
José
Carlos: As crianças são abrigadas em instituições aguardando o desenrolar do
processo de adoção para que, no final, ela possa ser acolhida pelo casal, ou
mesmo antes. Nós podemos possibilitar inclusive que essas crianças, através de
uma guarda provisória, seja entregue ao casal. Como também possibilitamos que o
casal tenha contato com a criança, em período curto, para que esses laços se
estreitem ao longo do tempo.
Entre Relatos: Em
Juazeiro, existem grupos de apoio a adoção?
José
Carlos: Não existe esse grupo. Quem faz o trabalho de acompanhamento são os
Órgãos Municipais encarregados do exercício dessa função.
Entre Relatos:
Existe a possibilidade da criança não se adaptar a família que a adotou?
José
Carlos: Pode acontecer, mas é raro. Por isso, o processo de adoção precisa ser
bastante cuidadoso, evitando essa situação. Isso ocorre com crianças que são
adotadas com a faixa etária entre oito e 12 anos. Elas possuem maior
possibilidade de, no curso do tempo, vir a rejeitar os seus pais adotivos, mas
trabalhamos para evitar que isso ocorra.
Entre Relatos: Como
funciona o estágio de convivência?
José
Carlos: No estágio de convivência, o casal ou a pessoa pretendente a adoção vai
visitar a criança na instituição de abrigo e tem os primeiros contatos. Ela escolhe
a criança, sente aquela empatia inicial, e partir daí, começa a ter contato
mais próximo dessa criança, inclusive se houver autorização judicial pode levar
essa criança para passar os fins de semana sem sua companhia, fora do abrigo,
enquanto o processo de adoção está em tramitação na Vara.
Entre Relatos:
As pessoas que moram no exterior podem solicitar a adoção? Existe algum caso
aqui na região?
José
Carlos: Na região, por enquanto não. Mas qualquer pessoa do exterior pode
adotar aqui no Brasil. É um processo um pouco mais complexo, terá que cumprir
uma série de procedimentos. Porque a preocupação maior da lei é que a criança
permaneça o mais próximo possível do seu local de nascimento. A adoção para o
estrangeiro, já é uma etapa em última análise.
Entre Relatos: Uma
vez que essa criança já esteja apta para ser adotada,
há alguma forma dos seus familiares retomarem a guarda, fazendo com que ela
retorne a família biológica?
José
Carlos: É possível que isso ocorra. Primeiro, toda criança para ser adotada é
preciso que ela seja destituída do Pátrio Poder. Uma vez destituída, os pais
não detém o poder sobre essa criança, então ela é colocada à disposição para
adoção. Os pais biológicos podem insistir no retorno para si dessa criança, mas
esse é um processo judicial que envolve uma série de questões.
Entre Relatos:
Os trâmites para o apadrinhamento se diferenciam da adoção?
José
Carlos: Não tem diferença, é um processo simples. A pessoa que deseja
apadrinhar uma criança, mesmo que não deseje a guarda, pode fazer um
requerimento solicitando a autorização do juiz para que possa tê-la em sua
companhia nos finais de semana, feriados. Isso a lei permite, não há nenhum
obstáculo em relação ao apadrinhamento. A preocupação do judiciário é com o bem-estar e proteção da criança e qualquer
iniciativa que venha beneficiar essa criança, porque ela precisa ser preservada
de todas as situações que a coloquem em perigo.
Entre Relatos:
Em quais casos a justiça poderia negar a adoção?
José
Carlos: O caso principal é a justiça verificar através dos relatórios
psicossociais que o casal não tem a mínima condição de adotar. A lei permite
que toda pessoa maior de idade, que tenha condições (psicológicas, financeiras)
adote a criança.
Entre Relatos: Após
a alteração do estatuto da criança que possibilitou a adoção por famílias homo
afetivas, surgiu algum caso de tentativa de adoção aqui na região?
José
Carlos: Nós temos um caso aqui em tramitação, que é conduzido como qualquer
outro caso. O processo é igual, o trato é exatamente igual, mesmo porque não
haveria a mínima razão para diferenciar.
Entre Relatos: Após
a adoção, quanto tempo passa até a família receber a certidão de nascimento?
Ela pode alterá-la?
José
Carlos: A criança recebe os apelidos dos adotantes e passa a ser integrante
daquela família, assim como o biológico. Só que a lei faz apenas uma ressalva
de que nessa certidão não pode haver qualquer referência daquele ato, pensando
principalmente em preservar a identidade da criança. Futuramente, os próprios
pais é quem devem dizer a criança, quando achar conveniente, quem são seus pais
biológicos.
Entre Relatos: Quando
a criança descobre que é adotada, ela pode voltar a Vara para tentar descobrir
quem são seus pais biológicos? Tem alguma possibilidade?
José
Carlos: É possível que tenha, mas isso é um processo futuro. É muito prematuro
imaginar que daqui há 10 ou 15 anos, uma criança que foi adotada retorne
procurando saber quem são seus pais. O juiz não conhece os pais na verdade, o
que se tem aqui são informações que vem do processo.
Entre Relatos:
Antigamente, quando as crianças eram abandonadas em hospitais, havia uma
intermediação feita pela equipe do hospital, que indicava alguém para adotar a
criança. Esse método ainda existe?
José
Carlos: Isso não existe mais. A criança quando abandonada em hospitais, na rua,
ou na porta de uma residência, é encaminhada ao Conselho Tutelar que comunica
ao juiz e este promove o abrigamento dessa criança nas instituições para que
ela fique preservada em local seguro e receba toda a atenção necessária.
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